sábado, 15 de dezembro de 2012

Um Brado Doentio


O palor percorre ruas sozinhas no meio da chuva,
Na solidão ébria do poeta em sua agonia desproporcional.
O exaurir, o sangue de seu susto em sussurro de madrugada
São posturas prolíficas, cacos de vidro guerreando no brio da espada.

A faísca parva das espadas é a lágrima que trinca a máscara do rosto,
É o conteúdo do gosto amargo da raiz que busca outra prata.
O garimpo em cada degrau rachado da escada
É a busca do precioso vômito caindo do corpo tosco.

Uma gota de sangue por um pedaço do bolo do absorto.
“Feliz aniversário” escrito na cobertura
Que escorre derretendo em chamas.

O brado marca a alegria da digestão do dia-a-dia.
A indigestão misericordiosa pela sanidade do corpo
Vomita indômitas poesias.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Gaiola de Diamantes


Guarde-a numa gaiola de diamantes e fique a observando voar sozinha,
Sentada como traça, no banco da mesma praça,
Olhando para você com olhar de pena
Quando você chega em casa.

Coloque-a no seu quarto e a tire para cantar de vez em quando.
Deixe-a bailar sob as quatro paredes do universo,
Cante uma melodia bonita, lírica e convincente,
Fazendo papel de galã de novela,
Deixando manchas nas costelas.

Depois a coloque de volta.
Alimente-a bem,
Mas não muito, para que ela não fique mal acostumada
- Toda cautela é necessária para que ela não invada a casa -.
Sempre traga sementes de boa qualidade, grãos simpáticos e algumas drogas.
E assista a flor murchar,
Veja-a morrer...
Ou fugir de sua gaiola.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

O Legado do Poeta


Aos artistas, aos poetas deixo minha poesia.
Meu legado num lago inconstante e anônimo
Que deságua aonde amanhece o dia:
No berço trágico do Sol recôndito.

Deixo meus pedaços de vida
Por onde encontrei guinadas e sentido.
Meu terço de calor, caos e harmonia
E berço tranquilo para todos  os gritos.

Nos papéis rasgados, nos cadernos queimados e nos livros envelhecidos
Estórias em gotas absortas e ignotas
Com asas em frases e estrofes de tinta escarlate que cantam mitos.

Mitos de nós que existimos num brio dilacerado
Dançando na crina de linhas tortas
O amor vil de existir num pequeno trago.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Implosão


Implosão!
É tanto pulso batendo em percussão.
Batendo no peito-tambor sem dó,
Se espalhando pelo corpo, gritando inspiração,
Respiração, transpiração, vocalização
Em acordes opioides de uma alucinação em do.

E que dó doía, querendo sair como
Fumaça dentro dum incêndio numa carvoaria.
Numa casa fechada, o desespero, a ignota fala
Tremia o corpo em agonia.

O corpo grita! O corpo grita!
A mão vazia vai sozinha em direção à caneta, ao papel.
O corpo dança, na música que não existe,
A vida branda que pulsa e clama o gozo
De construir alucinação viva que é a arte.

O orgasmo louco!
O êxtase dionisíaco que faz nascer do humano,
Do corpo, no palco, na plateia e no asfalto,
A face do absorto,
O estado de artista: de estar no alto!
O momento de simbiose e epifania
No qual a arte se torna o artista.

Momento no qual se alinha uma harmonia
Num anterior estado de inquietude, de adrenalina e ansiedade,
De sofrimento que parece um parto no asfalto,
Em direção ao palco, ao êxtase no alto,
Mais alto que qualquer orgasmo.
Implosão!

Necessidade nossa de expor as vísceras
Para não enlouquecer por aqui
- Ou talvez enlouquecer com o que está por vir –
Mas criar, produzir,
Ser artista é realmente um bom motivo para existir.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Necrofilia de um Pedaço de Vida


No que está dito - pelo corpo, pela alma e pela voz - há algo de hipócrita conjecturando no fato. Se o real é tão temeroso, o medo, a ilusão é mais forte que a própria racionalidade. No que há de dito, há pedaços do real e restos de ilusão sórdida...

As gotas caiam na chuva sólida
E cada pedaço quebrava as telhas do telhado
Defasado pelas mesmas tempestades.
Chegavam e voavam como abutres sob a carne podre
E riam nas gargantas necrófilas ao arder da carne.

Pequenos pedaços negros de um coração celeste.
A chuva ácida ardia, mas ninguém ousava usar um guarda-chuva.
Foi decretado que tudo haveria de haver à flor da pele
E todos ardiam em conjunto ao caos da terra.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Mais Uma Dose


(...) E os bares são aqueles lugares
De criaturas com ares
De lembrar e esquecer o que é ser...

Bate forte no peito aquele doce anseio
Que me trazia o olhar e o beijo
Daquela mulher de vermelho..

Batia na minha cabeça estagnada,
Fazendo-a girar um tanto.
O deleite de me embriagar com teu beijo
E nadar nos mares macios de teu corpo.

De acordar no marfim de teus braços,
No teu riso sem fim,
Fez de meu anseio trêmulo recompensado,
Acalentou o peito desesperado enfim.

Uma dose de amor, de uma bebida quente e pesada,
Me fez leve em segundos.
Viajando pelo meu corpo
Causando risos de acelerado batimento cardíaco.

E que num tino de medo
Expeliu-se por inteiro
Num gorfo derradeiro...
O que era belo agora queimava em ácido e restos...

Hoje queima ao lado,
Pedaço por pedaço,
De uma miscelânea de romances abortados,
De uma biblioteca de boêmios solitários,
Numa lareira em meu quarto
Para aquecer meu corpo tenso
Neste inverno que não chega ao fim...

“Mais uma dose? É claro que eu tô afim...”

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O Soneto da Granada


Olhe para esta insignificante bomba.
Ela irá explodir em alguns minutos.
Ela não se importa em ser granada jogada,
Sem um anel qualquer para segurar sua faísca famigerada.

Estava sozinha num canto escuro ao lado da barricada.
Nenhum dos soldados a viu ou ouviu.
Nenhum dos soldados gritou ou insurgiu.
Todos se renderam a uma granada qualquer.

O minúsculo crepúsculo em potencial
Que queimou todas as existências ao seu redor.
Um fragmento de tecnologia, sem boca, sem olhos,
Engolindo todas aquelas vidas com dentes em chamas.

Ela não queria, nem devia, mas era o que era.
Uma pequena granada na face da Terra.
O potencial era de matar o presidente tanto quanto o soldado raso.

Ela não queria, mas era o que era.
Eram todos pequenos pedaços, menores do que ela.
Ela explodiu queimou tudo o que um dia era
[nessa nova velha era.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Brasa


Era tudo e nada.
Um paradoxo infame,
Infante, juvenil e senil,
A ponto de bala,
A ponto de explodir a casa.
Cada pedaço de madeira era como uma farsa.

Era tudo e nada.
E o cinzeiro gritava na fumaça.
Coisas de vidro quebrado
E de vinho tinto na taça...

Era tudo e nada
Como o pranto na praça.
Como o bêbado alegre em sua feliz lástima.
Como o junkie na picada de agulha
No agudo da dor instante que passa.

Era tudo e nada
E ele olhava para o chão de paralelepípedo de graça...

Era tudo?
Era nada?
Era só ferro em brasa.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

As Flores de Julho


E os prantos e os tantos trancos dos barrancos
Atacavam as retinas, entravam por todas as vias
Num viés de artilharia.
Eu olhava para o vento do inverno que enfeitava minha face...
O rosto retorcia.

Um cigarro na varanda, as estrelas me encarando.
Eu olhava a epopeia de você.
Um beijo de nicotina na madrugada fria
E minha cicatriz gigante de agonia...

A garrafa me batia e eu bradava aos céus;
Gritos-fumaça passando pelos véus,
Um riso-lágrima de solidão...
O toque pálido da manhã
E eu estava ali com você e sem você...
Eu acreditava nas flores de Julho que estavam a nascer...

Estavam a morrer.
E eu vendo os pedaços queimarem
E essas coisas bonitas que me habitavam fugindo à francesa.
Bebendo das águas de um oásis que partia
Das terras partidas nas areias deste deserto...


Era uma miragem do inverno dizendo que
Por um segundo, no interno pálido do peito,
E da neve,
Nasceu uma flor sozinha que olhava para o céu.

A flor sonhava ser estrela no teto,
Ornamento de papel
Para acariciar os olhos antes de dormir.

Sonhava em ser favo de mel
Para massagear a garganta boêmia
Tão lânguida e cansada de tragar do vazio.

A flor era torta e tinha a graça de um vinho envenenado.
Era triste de desesperada.
Era errada, mas existia,
Respirando com dificuldades asmáticas...

E ela morreu antes de desabrochar,
Ela morreu, pois o inverno jamais haveria
De deixar nascer uma flor sozinha
Perdida, sem Sol e sem ar.

Todos sabiam que tal flor não vingaria.
Mas ainda sim a regavam com um afeto relapso.
E ela mancava internada na UTI,
Morta-viva, zombie.

Eu acreditava que as flores de Julho iriam surgir.
No lugar errado, na hora errada...
Era um erro errante pronto para partir
E uma esperança em pedaços
Num saco de plástico de uma mala
No fundo do armário.

E as lágrimas que a regavam secaram
Antes da alvorada bela.
E as flores de Julho nunca nasceram
E nunca foram esquecidas
Por toda sua graça
Mesmo antes da primavera.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Carícia de Alicate


Somos abençoados por máquinas-escravos
Que nos escravizam.
Donos do anseio calado,
Desejos mal-abastados,
Frustrados e afogados diante de um comprimido.

Vítimas fúteis,
Tragédias gregas em queda constante
Como vidraças no chão de um asilo.

E o que há de sórdido nisso?

Eles, incontentes, criam muletas
Para produzir e reproduzir em série
Mais algumas muletas.

Receptáculos em vias,
Mecanismos para nos dar um amor de plástico,
Para que possamos dormir e acordar
Todo dia, Todo dia, Todo dia...

Os antidepressivos,
Os analgésicos da realidade,
O carinho frio do abraço-alicate da máquina.

Certa vez me perguntei por que eles estão tão sozinhos,
Levando a solidão para a cama.
Porque tão quietinhos
E tão perto da lama?
E pra que tanta solidão
Se estamos tão perto do Japão?

Estão tão próximos e tão longe de si próprios.

Tic Tac, Tic Tac!...
O ungir da engrenagem bate e rebate
Lubrificando o regime da fome sem clemência.
O olhar da lente fria,
Da câmera divina divide em série o afeto perdido
Em pequenos biscoitos baratos
A serem engolidos.

É o mercado, o mato, o pasto sem plantas.
O mito de comprar o mito e consumir o mito.
E ser o feto chupando uma placenta de flavorizantes
Diante de um bando de niilistas reai$.

E se eu amar a obra alheia?
Um pequeno retrato, uma foto de 3 por 4
É um sorriso que não existe.
Abraçar o ursinho é só um carinho de vitrine.

Estamos amando essas coisas sósias de humano.
E somos substituíveis diante dos olhos metálicos
Deste eterno oceano de fetiches.

terça-feira, 12 de junho de 2012

O Dependente Onírico


Ele estava preso no mesmo endereço de sonhos e fadiga.
Tudo rodava - chão, colcha, travesseiro e colchão.
Girava de antemão. Abria as janelas e fitava o céu do dia-a-dia
Para fechá-las, em desinteresse, em ofuscação solar...
...Logo em seguida o horizonte vira um pequeno vão.

Como num vício, numa decepção.
O navegador de águas profundas observa na janela fechada ocular
Os horizontes que tomam formas diferentes a cada movimento,
A cada guinada acolchoada, a cada espasmo macio...

- Não quero estar no pano deste plano,
Nem colocar os olhos pra fora da expressão.
Coloco os olhos pra dentro dessa fora-dimensão
Aonde tudo que há para se fitar são ondas de um exílio

Os buracos de luz queimavam as paredes,
Os olhos se escondiam, a tontura ecoava.
Eram gritos líricos-oníricos clamando de saudade,
Jogando baldes d’água,
Tentando apagar o quarto que incendiava.

Estava em negação, inerte num ócio digno.
Perdido nas cores de um oceano florido,
Encontrou aquilo que desejava.
Um útero divino se formava,
Sua placenta era composta de memórias distorcidas
E desejos remoídos.

Estava aonde desejava estar
E nem sequer lembrava como havia chegado.
Quando de súbito tudo despencara.
O relógio gritou:
- É hora de viver! É hora de viver!!!

O Dependente Onírico de súbito levantou.
E sua abstinência gritou e, ironicamente,
Como uma overdose,
De súbito enfiou dois punhais em seus olhos
E o matou.

A Bronquite e As Bitucas


Joga o cigarro e apaga com o sapato
O último trago deixa sua boca.
Seus dentes mordem os lábios,
O olhar é voraz,
O peito sibila, chia, queima e palpita.
O raspar sobe sua garganta...

Olhou para a bituca no chão,
Pisou com o rancor de um perdedor obstinado,
Transformou-o em um pedaço distorcido de nada.

O Sol batia forte nas pupilas dilatadas,
E brotou, como no surreal de um sonho, ao seu lado
Uma lata.
Uma lata de lixo reciclável.

Ele fitou a lata de lixo
E a bituca com seus olhos fixos em chamas
E disse:
“Bitucas não são recicláveis”
E abriu mais um maço
E acendeu mais um cigarro...
E jogou o cigarro, e o apagou com os sapatos...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Trago de Vida


As vezes acredito
Que todas patologias tão minhas
São apenas reflexos do espelho quebrado
Que reflete pequenas luzes convexas
D’uma realidade flácida a ser definida.

As vezes sou o espelho
As vezes sou o pedaço,
O caco,
Pois tudo que é escrito é condensado.

É compacto, superficial, quase estático.
Tudo que é escrito é só um trago
Do que é vivo...

Eu olhava nos gritos do rádio
A sintonia pasmava,
Era real
Mas não era.
Era tudo, era belo, mas não era vivo.
Tão morto quanto uma fotografia.

O que era vivo era a raiz plantada
Na ideia que remanescia.
Era um memento do momento que jazia
No túmulo do tempo.
Morto. Sem vida.

Era a semente na terra
Da ideia que remanescia.
A batida do ponteiro do segundo que passou
O riso, o grito,
O pranto,
O mito que ficou.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Um Nariz de Palhaço

Me deram um nariz de palhaço
E eu não sabia
Se era uma piada de mal-gosto,
Pura ironia,
Ou se era um incentivo, uma prece,
Um incêndio de alegria.

Me deram um nariz de palhaço
E eu não tinha uma máscara.
Então fitei o espelho,
E encarei profundamente meu nariz vermelho.

Eu não sabia se eu era ou não a piada.
Se era possivelmente o piadista.
Então encarei novamente
O espelho que refletia
E comecei a rir da minha própria cara.

domingo, 8 de abril de 2012

Coragem de Saltimbanco

Acho que faltam olhos.
Olhos para ver o que não se vê.
Nesse mundo moderno, apressado, as pessoas correm olhando para frente
Sem caminhar olhando para cima e para os lados.
Mais parecem cavalos...

Acho que faltam dedos corajosos
Que consigam apontar as feridas que ainda doem em todos...
Falta gente corajosa para olhar dentro dos olhos dos outros.

Falta gente corajosa para tirar os óculos
E deixar de ver com lentes.
Ver com os próprios olhos.
E empatia para acariciar o sentimento,
Amá-lo e leva-lo para cama
Ao invés de enterrá-lo em medo e desalento.

Acho que ser poeta é ter coragem de encarar a si,
De escutar os gritos dos olhos
De lutar com a folha em branco
De lutar contra a folha em branco

Ser poeta é ter a coragem de ser um saltimbanco.

Por Renê B. Echeverria e Beatriz Porto

terça-feira, 20 de março de 2012

O Naufrágio de Uma Noite (Ósculos Ácidos Artificiais)

Todas as garrafas estavam no chão, acompanhadas de um oceano de bitucas de cigarro e cinzas... Todos boiavam naquela superfície de águas de prazer artificial, de olhos fechados e rostos distorcidos – sendo impossível descrever o que sentiam – perdidos em proa num náufrago decadente.
O cargueiro que carregava todas aquelas mercadorias sem-valor fora atacado por uma tempestade insólita de vinho, conhaque e cerveja. Chovia intensamente, as nuvens eram moldadas pela fumaça tragada por piratas que dançavam com sereias cruéis e sedutoras.
Corpos boiavam amortecidos, dormentes... Copos vazios encaravam dementes... Pensavam em se mover, porém não conseguiam... Pensavam em nadar, pensavam em se afogar, pensavam em atingir o fundo do mar... Pensavam em pensar... Era inútil tentar voar sem asas, nadar sem respirar.
A alegria havia deixado o convés. Mal se sabe como ou por onde, afinal, ela não sabia nadar, não sabia voar, muito menos remar num bote salva-vidas. A alegria era débil, deficiente, deformada e impotente. Era uma adicta às tempestades ébrias que banhavam poesias pobres de poetas podres...
(...)
Havia amanhecido. Remanesciam todos, como páginas de poema que perdeu a tinta, molhadas, prestes a se desfazer. Apoiavam-se nos pedaços de madeira daquele grande e belo navio insensato. Oh! Aquele grande e belo navio insensato! Ele navegava pelas mais belas ondas tempestuosas com tanta graça, com tanto clamor às coisas meramente escondidas dentro de cada ser desgraçado pela graça de existir!
Era como se uma viajem fosse resolver ou dissolver todos os dilemas, todas as situações e problemas da existência tácita e ebúrnea. Como um avião a jato comprado, carregando todo tipo de objetivação existente como combustível, voando e nadando quimicamente, sem que houvesse o menor sentido para leis da natureza e todas as ciências que aqueles passageiros embarcados nunca iriam – e nem queriam – compreender.
Existiam suas ilusões, assim se confundiam passageiros com a gasolina que não era nada – nada! – convencional.
Queimavam-se, consumiam-se, pouco a pouco, até não restar nada além de cinzas e fumaça.
Tinham esperança enquanto se encontravam a navegar, a voar... Tinham um destino que nunca pretendiam alcançar - o destino pouco importava -. O prazer estava no caminho destas ondas líricas e não na ilha do suposto tesouro vigente. O sonho lúcido se desfazia enquanto a mente acordada corria e corria e corria, o corpo morto e morno se debatia, as pupilas dilatadas amanheciam.
E o calor queimava atroz o olho vil. Eram pessoas tortas, tortuosas, torturadas... Almas penadas dando socos na rotina. Errantes e impossíveis tentavam se libertar de seculares dicotomias. Eram inóspitos vivendo pedaços de céu num inferno ensolarado.
Beijavam a morte pouco a pouco em preliminares. Ósculos ácidos artificiais.
Tudo que havia era celebrar a vida e beber caixões. Cultuadores da morte e da vida, e não queriam dormir... Pois não queriam acordar.
- Pois não havia cura para realidade demais. Não havia cura para esta coisa vivaz que era a melancolia. Não havia tanta esperança de paz nos beijos das ondinas.

Versos de Corpo-Tela

E manco. E ando e carrego, como cargueiro perdido nas águas manchadas de petróleo.
E carrego no meu colo palavras da boca e corpo,
As rodopio nos meus ombros,
Manchando de sangue, compartilhando vísceras de meu viscerar humano.
E sangro, e canto, e as manchas são o pranto
Tingido na pele, manchado no pano.

O suspiro rouco, exausto, é pouco.
A coagulação na garganta é uma dança macabra,
Um espetáculo grotesco dum banquete de vinho.
- O vinho que torna ébrio. O vinho que é suposto sangue de cristo –
O vinho que é um misto! Era o visco encima de nós!
E tudo foi um obelisco honrado aos céus!
O vinho era um pedaço de voz
Gotejando com um cortejo ao chão.
Um pedaço de corpo, de cada dia o pão!
E a sanidade insana de tanto tempo, pranto,
E do afago da tua mão.

Um fardo pardo de mãos dadas ao chão.
Um largo sonho, um pedaço de mão.
Dos lábios a graça,
Dos olhos a tinta e a inspiração.
Uma caneta nos teus olhos, meu tinteiro-paixão,
Vou escrever no teu corpo pálido como tela
Um romance que nunca aconteceu.
E pintar nos teus lábios, com minha boca,
O carinho de uma mãe ao embrião que morreu.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Estrelas Em Meu Teto

Teu palor em meu sangue
Teu calor distante
Teu olhar atrás dos meus.

Minhas pálpebras perseguindo nuvens,
Espelhos alheios refletem o rosto teu.
Espelhos no céu...
Teus olhos são estrelas em meu teto.

Enquanto reflito, enquanto reflexo,
Enquanto desmaio no chão desconexo
Brilham e olham para mim dentro do escuro.

Grita o peito dentro do absurdo.
O cheiro macio, janelas para o mundo,
E o toque sem toque,
E um cigarro na madrugada,
Os olhos são mudos.
As lágrimas cálidas estão caladas.

E não irei tentar dormir,
Pois o onírico já não é meu companheiro.
Pois te vejo no teto do meu mundo,
Nas estrelas de meu quarto,
Meu sonho distante e lúcido.

A noite está nublada,
E as estrelas estão tímidas.
Os olhos perseguem dentro do avermelhado,
E tudo está escuro.

Não há como, não agora.
As estrelas somem e o teto desaba,
O poeta desmaia na noite de lua nova.

E agora o mundo expande e o peito aperta.
Uma sensação de oco, de pouco,
Uma sensação de nada.

E os olhos caçam estrelas na noite nublada,
O inverno um dia irá passar
E as estrelas ainda darão as caras...

E ainda iremos nos encontrar.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Esfinges e Faraós

Enquanto a reputação é um filtro
A fala é muda, o silêncio é grito.
Enquanto são construídas famigeradas esfinges sem nariz
E esculturas sem braços e sem brado.

E sorrisos estáticos, simpáticos, de plástico,
Propagando a propaganda enganosa
Do mesmo marketing desenfreado.

Enquanto se segue, forjando próteses de aço,
Muletas de olhos impiedosos e ameaçadores,
Glíteres de unhas postiças, cintilando o mármore
Que escorre do monumento alheio.

Enquanto se erguem as belas muralhas,
Para proteger o continente dos mongóis.
Enquanto cantam as gralhas
Em lâmpadas de 110 volts.

Enquanto a reputação é um filtro
A fala é muda, o silêncio é grito.
E o tesouro da esfinge, o túmulo do faraó
De tantas armadilhas
Chega a parecer um mito
De tão escondido.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Violão

Um cigarro, um violão, um pedaço de chão.
Aquelas coisas estranhas de cidadão.
Olhando para o céu, andando na contra mão,
Uma composição por um pedaço de pão.

Na sacola a fumaça da marola
Na cantiga um pedaço de razão
Na loucura estranha de hoje em dia
Os pés para o alto, a cabeça para o chão.

Aquele paraplégico que não sabia andar
Nos números imundos da civilização
Bebeu cachaça, e sem dar nenhuma pala.
Conheceu, na decadência, mais um irmão.

Não sabia de muito além de sua graça,
Seu colchão era seu violão.
O sol impiedoso batia na estrada
O suor era quase um vilão.

Achavam que era teimosia,
Não trabalhar, não ganhar e nem gastar na loja.
Mas o poeta barbudo não era besta e dizia:
-Não é hipocrisia, nem loucura
O gosto das moedas me enoja.
Meu trabalho é para com a vida.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Programação Do Dia

Vida efêmera na tela,
Correm, voam, rastejam enfumaçando a atmosfera.
Concreto, reboco, arame farpado correndo,
Correndo montando o quadro, lado a lado.

As tintas, as revistas, as cores manchadas e encardidas,
E os bancos, e os prantos cinzas
Parecem crianças brincando na construção
Enquanto as minhocas de ferro voam no chão.

As flores gritam mudas, diante da luz cinza.
Um caule, um tronco rompe o cascalho e a calçada cria feições.
Rios choram em dialetos, em bordas adornadas de veias rotas,
Desaguam em tubos, em turnos de perfeições.

Anjos de ferro guardam, flutuando em arames, as estradas de alumínio.
Cantam uma melodia imperial os corais sintéticos.
Enquanto ovelhas desgarradas andam com suas tralhas
Ensacadas, errantes pelas vias, sem olhar para os dois lados
Antes de atravessar a rua.

São pedaços de cenário,
Árvores cenográficas chorando folhas mortas
Num outono sem vento.

Todos sorriem e distribuem seus mimos.
E riem e suspiram nuvens cinza em desatino.
Simpatias aos mitos!
Gritam três vezes aos ritos!:
Amém, amém, amém!
Amem, amem, amem!...
...E tudo volta ao normal.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Sopro Distante

Meu apreço exaurido e distante
Percorre horizontes em tua busca
Tão incerta, tão incessante.

Eu nado sozinho, e neste nada
Obstinado, caminho, andarilho vago.
Pintando manchas num quadro abstrato.

E grito, não de desespero,
Mas como sopro uma pena
Para que o vento a carregue
E a deixe ao teu lado.

Que ela te acaricie
Antes de dormir.
Ou te de bom dia
Quando teus olhos romperem a areia.

Que ela te toque
Nos momentos que não posso
E escreva versos belos em tua pele
Que, quem me dera, como ator,
Logo eu leia, logo eu viva
Em vivencia teatral
Em vivencia real.