terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A Balada Do Poeta Ébrio II (Grito!)

Grito pelas poesias paraplégicas que não conseguem andar com as próprias pernas.
Pelas máscaras trincadas e manchadas de suor e sangue de poeta.
Gritos às margens da ilusão da liberdade marginalizada.
Grito porque não sou um homem-máquina!

Porque sinto, não dor, mas luta.
E grito enrolado, em voz distorcida, ébrio da bela arte que proponho a mim!
Da arte que sou e que faço de meu ser.

E as coisas continuam as mesmas, embora não pareçam.
O outdoor na rua mostra apenas uma sutura superficial, opaca e substituída a cada semana
Dentro d’um efêmero movimento de ferrugem.

Lubrificados por ilusões que desviam os olhos secos,
Os estáticos globos de glóbulos que já nem tentam lutar contra uma patologia viral estampada na face.

Tendem a não notar o que está como trapezista, malabareando na ponta do nariz.
É o palhaço maquiado em pixels, na tela plana de alta definição.
Eu grito contra ele! Eu jogo a caixa colorida pela janela!

Eu grito porque sou artista, e não tenho escolha.
Grito porque sou poeta!
Tentando me libertar e levando quem eu conseguir com a voz rouca de tanto soltar fumaça.

A decadência reflete apenas o sangue que ainda não se coagulou.
É a prisão! A frustração trancada no sótão das casas de classe alta.

Não sou rei, não sou peão. Nem cavalo e muito menos bispo!
Estou chocado neste jogo de tabuleiros.
Estou aqui quebrando peças enquanto me julgam de louco, tentam me medicar, chamam de patologia meus devaneios.

Grito porque anseio, e carrego no profundo do seio da amante,
Nas olheiras e nas letras adiante, o fogo tenro que aquece o peito.

Eu grito porque sou artista, e não tenho escolha.
Grito porque sou poeta!
Tentando me libertar e levando quem eu conseguir com a voz rouca.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A Dona De Meu Zelo

Só te peço para fazer estrelas para enfeitar meu céu.
Dos teus pequenos feitiços raivosos, insensatos como as minhas atitudes,
Não posso dizer que sou o único réu.
Mas sou poeta tentando desvendar o carinho das tuas redes de féu.

Tentando explorar teu sangue meu,
Derramado no breu de algo incompreensível,
Desvendo o visível paradoxo do oco.
Ecoam os gritos dentro de si.
Não poderíamos nascer um para o outro,
Pois tu és escudo enquanto sou arma a disparar em desatino insensato!

Frutos pútridos do absurdo
Que nutrem a terra ao queimar de pleno Sol.
Queria olhar para os teus olhos soturnos,
Eles que são o canto para os surdos;
A dança dos paraplégicos;
O caminho indeciso do frevo d'um carnaval que não chega.

Encontro teu olhar na perdição de teus cabelos curtos.
Tendo a tentar entender porque não podemos,
Nós almas perdidas na madrugada,
Olhar nos galpões das inexistentes galinhas.

Queria ter as tuas lentes coloridas!
Queria dizer sem nenhuma vergonha corrompida
O quanto prezo o zelo e tento
Com os olhos falar.

Gritar lágrimas,
Chorar versos
Só para tentar escutar as emoções tímidas
Que murmuram carícias e socos em meus tímpanos
E caixa torácica.

Discretamente em exaspero
Tento ver teus olhos castanhos no espelho de meu desespero.
Tento dizer o quando disto e daquilo que já disse,
Dos desencontros e de nossos apocalipses,
O quanto tu és preciosa,
O quanto prezo o preço da dona de meu zelo.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Homem-Garrafa

Os dentes que batem contra o espelho
Que se quebra em cacos de anseio e martírio
São apenas da boca que não consegue ser boca.

Mastigam a cabeça como a de uma garrafa atacada por um saca-rolhas.
Libera-se na pequena explosão o etílico
Que embriaga o peito, molhando o rótulo úmido em imperfeito desfazer.

Ele era uma bebida lacrada, gasificada rolando no porta-malas.
Aguardando um toque sutil para entrar numa erupção de lata.
E toda coisa contida só daria no mesmo resultado:
Um champagne aberto por uma espada.

Era um homem-garrafa, explodindo sem tampa, nem anel, nem rolha, nem nada.
Uma dose destilada sem gelo que descia goela abaixo
Queimando o peito derradeiro.

Era o anseio que batia nas portas do crânio sem tocar a campainha.
E mais uma vez o homem-garrafa explodia...
Suas palavras não eram como champagne na taça de cristal, não eram harmonia.
Eram como a garrafa de vinho quebrada num bar no início de uma briga:
Armadas de silêncio forçado de vergonha alheia adquirida
E da violência pressentida nos olhares que tendiam a participar e assistiam.

Inconveniente como ir ao bar ao meio-dia.
Seu mecanismo era o de um copo cheio no meio de uma pista de dança:
Preenchido temporariamente para ser derramado na vida.

Ele era apenas uma garrafa vazia jogada na avenida.
Utilizada várias vezes como recipiente de diversos tipos de bebida.
...

Era apenas um frustrado recipiente de ideologia,
Fadado a ingerir todos aqueles paradigmas
Para vomitar em tipografia dentro d’algum outro copo o mesmo tópico...

Tudo destilava e batia cacos de vidro e cristais em ritmo de ópio,
Lentamente sufocando as lentes manchadas dos óculos.
Tudo se tornava ébrio,
Uma centelha acendia a garganta inflamada
E não havia como sentir nada,
Tudo recomeçava...

E ele estava tão cansado de andar na mesma estrada...
Adicto de culpa por não ser bebida legítima.
Bravejava diante tudo e todos,
Gritava para o mundo
E era pouco.

Pois gritava somente para si.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Concepção Deformográfica

Grita cálido com a face perdida.
A máscara trinca, a armadura se desfaz em cinzas...
E todas aquelas criaturas de carne, olhadas a olho-de-lupa,
São grotescas e egoístas...

Agora, a verdade é apenas um pedaço de realidade.
Uma mentira análoga às mentiras que pairam sob a tácita lente suja.
Esta tenta refletir uma luz cândida, tenta dar asas aos vermes
Que pairam sob a merda... A luz queima como lupa sob o sol.

Os vermes queimam em desgraça,
É visível apenas a carcaça deformada,
Exótica à real concepção.

Iluminam a informação com luz suja,
Transforma-se o único em holístico, o ego em absinto...
A máscara trinca, a armadura se desfaz em cinzas...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Opinião Enlatada

É muito simples, muito mais prático e fácil pegar aquele produto – vendido em qualquer supermercado – na sua geladeira frost-free de ultima geração
E colocá-lo no microondas, acertar o tempo certo,
E assistir TV enquanto a comida fica pronta.

Complicado mesmo é levantar do sofá,
E ir atrás cada ingrediente, e escolher cada ingrediente – se esta em bom estado, para o que será útil, se não causará náuseas -.
É pensar na receita, passar por todos os seus processos – de fazer a massa, de fazer o molho, de cozinhar e temperar a gosto,
De arrumar a mesa com todo seu aparato de talheres e copos
De servir aos convidados e perguntar o que acham –

É claro que dá um puta trabalho,
Um dispêndio de energias que sustentariam as telas coloridas,
Mas é muito mais respeitável.
Não se serve um congelado a um convidado
E muito menos um banquete elaborado aos porcos...

(...)

O mesmo vale para uma opinião.


É muito simples e prático acreditar no que todos seus cinqüenta e nove mil canais
- seus melhores amigos! – lhe dizem.

- Pra quê eu vou me importar com essa porra toda? Não tem nada a ver comigo mesmo!
Que se fodam esse bando de vagabundos ordinários sem respeito. Pouco me importa o que pensam!

Afinal de contas, pensar dá um puta trabalho.
Estudar e compreender então, nem se fala!
Pra quê vou cozinhar se tenho comida enlatada?
...
E aí? Do que você tem se alimentado?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Gula de Poeta

Quero mais armações, mais clarões,
Mais explicações - por mais equívocas que sejam -,
Mais arrepios, mais mentiras,
Mais ilusões, mais harpias,
Mais loucura, mais cicatrizes,
Mais asco, mais música
E mais álcool, mais incensos de Cingapura
E tudo abaixo das conjunturas
E mais ARTE e mais POESIA para massagear meu cérebro,
E o coração que palpita
Para influenciá-lo e fazê-lo pulsar fluído e maquinar
Qualquer coisa que eu possa respirar,
Que eu possa gritar,
Que eu possa transpirar
Para inspirar qualquer outro poeta
Qualquer pessoa que passa na rua
Que queira algo para engolir,
Algo para digerir
Para expirar,
Para inspirar
Outro poeta que possa surgir
Fazendo uma corrente de luz
Jogando arpões para pescar poesias no mar
Tudo para transpor e transpirar
As vísceras mais belas
Que um dia precisaram gritar algo para inspirar algo
E dilacerar o mundo com suas próprias unhas.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Notas Nocivas

Notas nocivas que anoto em meu caderno esfarrapado
De folhas manchadas e queimaduras de cigarro.
Elas gritam agressivas em pedaços soltos,
Frangalhos e migalhas picotadas de destino morto.

Notas nocivas que desafinam em meu rosto,
Cantos harmoniosos em dissonância,
Cacofonias subliminares que meus tímpanos não escutam,
Compreendidas apenas pelo o que os olhos guardam.

Notas nocivas que me reprovam,
Que me deixam abaixo da média.
Avaliações como juízes cegos pela quantificação,
Tentam me transformar num código de barra.

As notas nocivas me dão a noção errada.
Me prendem, me pegam pela marra,
Me desviam da minha própria estrada
Enquanto construo edificações intransitáveis.

Notas nocivas de um roteiro apagado,
Nunca encenado, produzido ou raciocinado,
Que se limitaram e se limitarão pelos óculos do abstrato.
... Um substrato difamado pelos próprios autores.

Notas nocivas, notas despidas...
Apenas notas esparramadas no tapete,
Nunca fizeram corpo de obra oficial.
São apenas retratos do transbordar da mente do poeta...

...

Notas nocivas nas quais desenhei com teu dom
Momentos de graça engraçada.
Nelas esbocei uma possibilidade,
Retratei o que poderia ser
E colei seus pedaços no meu quarto
Para alimentar doces ocos, sem recheio...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

No Limbo Dos Precoces

No limbo dos precoces o silêncio ressoa,
Silêncio de seres perdidos em proa
Que gritam em berços errados.

Confusas criaturas que se rebelam diante da regência
De ponteiros batizados de:
“O que se foi” em segundos;
“O que se deve ser” em minutos
E “O que se será” em horas.

- As pedras que desembarcaram no vale
Antes de um deslizamento propício
Tendem a ser soterradas pelas que embarcaram na nau correta.

Não são chuva, nem garoa,
Nem água e nem vinho.
Esculturas sem forma nem fôrma
Esculpidas num granito inóspito de hospício.

- O limbo dos precoces é um purgatório suíço
Em meio do algo nem-antes-nem-depois que,
Deflagrando o decreto de um estado de dadaísma,
Parece abrigar manchas monocromáticas na pintura colorido-abstrata.

- Lá a noite ressoa como nuances em ânsia
De ecos do oco da inconstância.
Grita silêncios e palores transcendentais.
Grita coisas estranhas que grudam nas entranhas abissais
Enquanto a eletricidade apagada sorri ao fitar minha face,
Porém, esta não sorri de alegria, e sim de escárnio,
De sarcasmo sorrindo de lado.

- Lá se escreve poesia e se quer ser Sartre num cúmulo existencialista.
E cada poema, cada poesia é um parto que mata,
Um parto homicida que parte pedaços de vida.

No limbo dos precoces a graça bizarra da arte performática se retifica,
Se justifica e se amplia.
E se multiplica e se dissipa num suicídio representativo,
Como um símbolo da maneira que se quer morrer.

- Lá as flores à flor da pele vomitam pétalas tentando se reproduzir,
Porém, nem sempre elas sabem aonde ir.

sábado, 20 de agosto de 2011

A Antiga Central

O solo se irregula na terra de retângulos,
Cada geométrico cravado parece devorar
Seus vizinhos lentamente.
Suas faces, manchadas de substantivos,
Parecem gritar em múltiplas personalidades.

O contexto atenua o teor paradoxal do verde-cinza.
Colméias bloqueiam a luz, envoltas por
Abelhas que não voam.
Insetos rotulados, enumerados, capengando
Enrolados como cigarros a queimar.

Parem-se mancos – Reparem como andam!
E zumbem, e zumbem, e zumbem
Tentando voar com suas azzzas aleijadas,
Feitas em frangalhos de forma tão precoce,
Antes mesmo de suas próprias gêneses.

Algumas vestem-se em panos, exclamando superioridade
Em seu ócio burlesco. Outras, em seus trapos, maltrapilhos
E maltratados, perseguem falsos profetas.
Os admiram em seu sistema nervoso de engrenagens enferrujadas
E circuitos queimados.

- Oh, insetos aleijados de tantos olhos, que função eles tem?
- Porque entregaram suas línguas, integraram as massas fúngicas,
E continuam a zumbir tendenciosamente?
- Oh, insetos caídos, porque abandonaram o céu e se rastejam
Como minhocas que não são?

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Moinhos Anatômicos

Engraçado é sentir o peso de voar.
O peso de cada soco de ar
Que bate na face felpuda
Com o carinho do sopro da concubina
Na ferida de sua prole.

Engraçado é sentir o carinho do frio
Que nos adoece.
Da poeira que nos suja e desconforta
Em nossa armadura de areia e cascalho
Que nos edifica e fere.

Engraçado é sentir os calos gritarem,
Se manifestando por nossos pés, como intérpretes
De mudo desconsolado.
Expressando-se através de cada furo no sapato:
- Pare, por favor! Pare de bom grado!

Engraçado é sentir o calor da insônia
E suas alucinações na câmara dinâmica.
Nas concepções da mente lucidamente ébria
De vontade de cair.

Engraçado é sentir a fúria atroz
Do grito de dor incessante do corpo,
Estalando pelos ossos como um instrumento de corda,
Desafinando cada pedaço de harmonia
Que é a angústia do absorto.

Engraçado é sentir...
Por apenas ter a ousadia de se desprender,
De colocar o dedo na areia
E se dar ao mundo que gira, incessante,
Em sua dança inerte.
(...)
Sentir a dança do mundo sapateando
E palpitando no peito é escutar a si mesmo.
Escutar a si mesmo é escutar o mundo.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Chama Remanescente

A luz que se apaga apenas acentua
A chama ardente que remanesce,
Mesmo sem ar...

A estrela se sufoca, implode,
Dando gênese ao buraco na parede da memória.
Encerrando o espetáculo que não havia começado,
Embora todos tão vívidos ensaios...

Os atores – que ainda nem sequer eram personagens –
Dançavam no palco sem cenário, sem roteiro,
Sem iluminação daquele teatro vazio:
Nosso sarau, grotesco e surreal,
Sem diretor e sem direção.

Dançavam sonhos em efemeridade da escuridão.
Pedaços de vida rindo, gritando, escorrendo
E exalando seu corta-rédeas-de-padrão...
Atores mal-pagos pelas pedras das rodovias
- Tão vazias vias – que furam seus sapatos velhos e baratos.

A trupe que invadia e ocupava, sem alvará,
Sua função de estar, em dispêndio da matéria,
Na fúria atroz da pena que voa, que escreve,
Que sangra...

Os palhaços a riam, os malabaristas a agitavam,
Os poetas a exaltavam junto dos bardos
- Que a cantavam junto de seus fardos – em dentes amarelos
E olhos secos de tanto chorar e rir, ela:
A asa de voar para os céus desejados.

E, de súbito, uma das poesias deixou o livro em composição.
Sem se despedir, se esvaiu, sumiu, desapareceu.
A concepção era simples, e não de preocupação:
Esta iria dançar em outros livros.

- Seu brilho esta no céu, nos iluminando com olhar vívido de atriz-feliz,
De criança sonhadora nos primeiros vislumbres do mundo.

Os livros se encaminharam,
As trupes encenaram, se encerraram e continuaram,
E várias poesias foram saltitar em outras páginas.
O mundo virou nosso palco, e já não estávamos ensaiando.
(...) Nada se soube sobre a poesia atriz-feliz.

E foi-se dada a notícia num mural velho de mais um dos palcos
Rechaçados e dilacerados, no qual poetas bêbados e entorpecidos
Cantavam mais uma ode dos marginalizados.
(...)

O silêncio estanque fulminou a garganta de todos.
A hemorragia recôndita fora cruel, um súbito linear
Dissonando a nota única que todos esperam, desesperam e exasperam.

Uma estrela que se perdeu em seu fôlego.
Um pedaço arrancado da bomba sanguínea de cada poeta gritante.
Lágrimas alcoólicas e sangue toxicológico...
Um poema incompleto, uma covardia da existência
Abortar uma estrela viva...

A lástima intransponível...

Não haveria de se dizer mais nada.
As poesias se entreolharam em seus prantos, com um único e uníssono verso já citado:
- Seu brilho está no céu, nos iluminando com olhar vívido de atriz-feliz, de criança sonhadora nos primeiros vislumbres do mundo.

Uma estrela morta ainda grita dentro de sua galáxia...
A luz que se apaga apenas acentua
A chama ardente que remanesce,
Mesmo sem ar...

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Ao Invés de Várias Doses, Uma Garrafa Inteira

“Foi um pouco de tudo no meio do nada”
Enquanto não-santos foram fieis de fidelidade diferente – nada de coisas concretas, só poesia.
O palhaço e a palhaça decidiram: ao invés de pagar caro por várias doses,
Escolheram pagar por plenas garrafas.

A palhaça lhe deu um nariz, o palhaço a deu um complexo.
Ambos riram destilados - e daqueles também – diante de seus cigarros...
O palhaço disse:
- Eu gosto de marcas, são memórias concretas. E toda experiência é sempre válida.
A palhaça ficou vermelha como seu nariz...

Trocaram pronomes, adjetivos, verbos e métricas presentes e ausentes
Eles haviam se soterrado.
Sintetizado intenções que tomaram caminhos diferentes diante do frio e da poesia.
(...)

O palhaço fitava e lia as paredes enquanto a palhaça fazia café.
A palhaça disse – com canecas e garrafa a mão:
- Vamos escutar a gaita, já que não fizemos o pandeiro e a flauta.
O palhaço sorriu com bafo de café enquanto recusava-se a voltar do onírico

Metade do brinco sumiu, a outra ficara com a palhaça.
Caminharam, o palhaço sem-brinco-com-nariz e a palhaça com meio brinco e um complexo amaciado pelo cômico, pelo sol da manhã que já se esvaira.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Câncer Do Vazio

- Bla bla bla, e todas coisas mais que você diz sobre si mesma, não passam de outdoor mal-colado na avenida, de pixação rústica no muro sujo da rua escura...
- Largue de ser cínico e hipócrita Poeta Ébrio, tu sabes que o único decadente aqui é você!
- Eu que sou o decadente, Musa!? Não sou eu o robotizado, a maquininha de caixa-eletrônico que expele notinhas pelas partes baixas! Não sou eu a engrenagem, lubrificada pelas cabeças de cima da nuvem, rodando sem parar neste organismo grotesco de suor e sangue!!!...
- Não comeces o discurso piegas e seu blábláblá bêbado-surreal nesta salada de críticas metafóricas que usas como argumento no diálogo unilateral. Tuas lânguidas e porosas falácias são apenas folhas secas que passam pelo meu fronte no outono: Ou nem sequer me atingem, ou são simplesmente pisadas pelo meu sapato.
Poeta Ébrio aponta para a face de Musa com seu júpiter furioso
- Tu és cega pelas mesmas configurações e condicionamentos que mecanicamente responde e ganha um biscoitinho, como uma cadela adestrada!
Julgas “diálogo unilateral” a língua do poeta que tu não entendes – e jamais entenderá – se não libertares a poesia estagnada, na cela enferrujada, do peito exasperado!
O silêncio envenena o ambiente, ambos sufocam suas línguas com a epidemia venenosa dos ecos de cada pequeno som diante do vácuo. Musa fita o céu cinza da noite urbana, através da lente suja, com um olhar de cólera em síntese com seu corpo rijo e tenso. Acende um cigarro aos tremeres inconscientes, e guina teu olhar infectado pela mais pura ira que um dia Poeta Ébrio já vira:
- Tu jamais entenderás o que é o determinismo, cretino-como-câncer, de um bando de cabeças mecânicas-em-vácuo que te estupram desde a infância com suas imagens vazias, cheias de pretensões e terceiras-intenções, de fetichismo da existência!
Poeta Ébrio se levanta da cadeira cheia de formigas e infectada pela ansiedade oca de tremeres, caminha mancamente pela sala, em disfarce de adolescente chegando bêbado em casa às cinco horas da madrugada. Seus olhos se esbugalham com o comentário de Musa, porém, ainda sim, a observa com um olhar soberbo, como se Musa fosse apenas mais uma ovelha desgarrada aprendendo a andar sem um pastor. Pretendia ajuda-la se não fosse cega-surda-tagarela.
Musa inconteve o silêncio e continuou o falar exasperado, soltando todos seus demônios recônditos encima de Poeta Ébrio:
- Minha mente é uma cabeça matastaseada com o câncer do vazio! O fetiche condicionado consome apenas lixo enfeitado, eufemismos de realidade! Não tenho um filtro que separe o entulho do extulho, nem o lixo do luxo!
Poeta Ébrio agora se inconforma,vê em Musa um espelho partido, sujo pelas poeiras do existir, vê teu passado gritando: “Tu jamais atingirás tua obra, Poeta-Pateta na contramão!”.
Exaspera teu grito de sermão libertador:
- Tu não tens filtro?! Tu apenas observas pelas lentes! Apenas olha pelas lentes opacas, trincadas, machadas e distorcidas pelo padrão! Teu erro é observar por lentes!
Pare de procurar caminhos e crie estradas! Pare de lamentar tua infecção pela configuração, tu não és a única! Pare de observar por lentes, seja a lente!
O Poeta bate a mão esmagadora sobre a mesa e fita Musa com o olhar desconcertado. Esta olha para os próprios sapatos e, em conflito existencial pleno, observa seu pé se mexendo histericamente.
Ele olha as horas no relógio, se aproxima da porta do apartamento, seus passos ecoam caminhando pelo silêncio, observa Musa tremer enquanto seus olhares abrem e fecham e seu rosto se rubora:
- Sabe qual é o silêncio mais cruel que existe? O da madrugada, pois este poderia simplesmente não existir se estivesse no lugar no certo, na hora oportuna e libertadora, quando as luzes se apagam e os loucos não precisam usar máscaras.
Não há mais nada a se dizer neste cômodo oco.
O Poeta Ébrio abre a porta, dá seu primeiro passo de fim-de-noite, e bate a porta do apartamento de Musa, como se se despedisse com o barulho ecoante de sua inconformação decepcionada da madeira barata batendo no estalar do portal daquele universo que julgava pobre.
Musa chora durante duas horas até desmaiar de sono e tensão enquanto Poeta Ébrio desmaia em uma calçada no centro da cidade.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Mosaicos e Paródias Do Canibalismo Secular

Vejo e beijo o povo como um bando de microondas lotados de migalhas podres, cheias de fungos... Naturezas mortas tão belas...
Da minha língua, nenhuma destas bitucas de cigarros apagados não-por-mim, saca, entende, ou comenta sobre...Língua de poeta ébrio, louco como dizem...
Só as línguas manchadas pelo etanol, pelo propinol, pelo tal-tal produto de industria farmacêutica que não sei nomear, que não sei dizer sobre... Línguas manchadas entendem línguas manchadas...

Serei a língua podre do difunto moribundo desbundando do caos e fazendo loucuras nas correrias das estradas e estradas e estradas que não fazem – nem nunca fizeram – tanto sentido... Como pena flutuante, diria, como bobagem que se diz e não se lembra...
Como ser um pedaço de universo, preenchendo suas lacunas com o blues do lacrimoso, o jazz do swingado, o folk do inspirado e a ausência do impiedoso...

Esses eletrodomésticos não calam a boca! Vivem com suas radioatividades baixas e tão letalmente inertes e irrelevantes...
Nem sequer me dão um câncer!
Me poupem do discurso pieguisse-sobre-pieguisse e igrejas e padres e jesus e nadas...
Diria que existe um murro na parede para cada tijolinho laranja que se prosta nas paredes góticas, romanas, postólico-romanas! Ou simplesmente venenos contemporâneos... Acreditem, são até piores que antigos...

O raio do sol sopra! Quero a ardência da estrada e o medo do efêmero novo...
Não a tortura do temperamento abafado das vidraças mosaicas, cheias de história e paródia clichê, que grelham carne em oitavo pecado capital ou nona sinfonia clássica do poeta surdo...
Arcadismos rendidos são a trilha sonora, claro...
Afinal, arte pela arte é coisa de gente louca...

Ajoelham-se como Madalenas prostadas à serviço!
Abrem suas bocas puras e recebem o canibalismo secular – de sangue e de corpo e de “espírito” –
Saem do ritual alegrinhos e chegam em casa de fígados sobrecarregados e culpas pesadas nas costas... E acabam ganhando algumas mais...
O ciclo se cumpre, periódicamente...

Oh! Me ponho a dizer: “Se é acrática a concepção, a única púnica culpa é justa!”

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Heróis da Linha Torta

Meus heróis não usam espadas,
Nem armas impregnadas de pólvora.
Suas lâminas implacavelmente forjadas
Atingem o peito, sem demora.

Suas balas voam oníricas em asas.,
Atingem e queimam as vísceras da alma.
E vos peço que tenham calma,
Pois aquecem e ferem as impetuosas brasas.

Meus heróis não vem de exércitos nem de barricadas,
Não são guerreiros treinados por nada
Além das crateras e deformidades da estrada
Que se segue, se seguiu e se seguirá.

Estão nas mansões, nos sanatórios, nos bares...
E, solitários com seus cigarros,
Externam pedaços d’alma impares,
Compostos de lógicas, atmosferas, ascos...

Meus heróis são como coringas do baralho:
Bufões saltitantes sem função específica
Em meio a potências altas e baixas do carteado,
Sacados aleatoriamente para mostrar sua magia.

São instrumentos que ecoam no hall da vida,
Rendidos voluntariamente a seus músicos abstratos
Que os manipulam com certo carinho e certo maltrato,
E são mais conhecidos como poesias.

Meus heróis são mestres da polêmintriga
E não estão nem de um lado nem de outro da moeda.
Na verdade, estão bem longe dela...
Não observam através da lente... São lentes!

Não usam pentes,
São bagunçados alucinados.
São gente indecente, (in)fluentes,
Rochas crucificadas.

Meus heróis são artistas – da vida e do nada,
Ousadias que põem a mão na merda.
Malabaristas que engolem a ponta da espada;
Revolucionários, malditos e subjulgados
Por muitas lentes opacas-cegas que os observam.

Da Tela ao Céu Manchado

A tela colorida comeu meu cérebro.
Maquinou os sonhos e engendrou ilusões vãs cheias pus e poesia,
Rotulou minha nuca e me jogou num armazém sujo e cheio de ratos gotejantes...
Fiquei no galpão alguns meses...
Me alimentaram bem, me jogaram numa poça de gente estagnada...
Me cortaram pedaços, encheram de flavorisantes, conservantes, colorantes, e me vestiram
Com vestes de palhaço pra alegrar crianças com síndrome de down...

Rastejei, poça suja a poça suja, pra fora daquele galpão...
Aleijado, rolei pela grama e me enchi de coisas orgânicas...
Capenguei pelos etílicos, flutuei pelas nuvens branco-acizentadas...
Vi poeira e areia sintetizarem animais epiléticos palpitando em buracos rasos...

Rolei... Rolei por ai... Criei pedaços novos com papéis de jornal e papelão,
Virei uma salada de peças soltas – com um gosto agridoce temperado com ácido...
Aprendi a grunhir formigas... Depois peixes, tartarugas... Rosas artificialmente coloridas...
Até enfim vomitar asas que gritam violões para platéias mancas...

(...)
Vomito asas, alguns usam como muletas, outros como drogas...
...Alguns como deveriam ser usadas: Sem manual de instruções.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Uma Forja de Memento

A manhã raiou impiedosa, rompendo com o frio furioso da madrugada. Os ventos se acalmaram, as lágrimas pararam de cair. Efêmero levantou-se de sua cama, lavou o rosto, ligou o aparelho de som e escutou uma música qualquer.
Acendeu um cigarro, colocou algumas roupas e parou diante da janela, em devaneio:
- O que há de estático nesta existência? Nem os dias são os mesmos, nem as nuvens são as mesmas... Há dias de humores tépidos, gélidos ou incendiários, como nós criaturas passadas... As mesmas águas não hão de correr os mesmos rios, nem as mesmas lágrimas hão de cair dos mesmos olhos, nem as dores serão as mesmas dos corações dilacerados...
Tragava pesadamente seu cigarro enquanto fitava o dançar das nuvens diante do vento da manhã. Estava praticamente como uma estátua-viva viciada em nicotina.
Levou o cigarro a sua frente, e falou sozinho com um sorriso no rosto:
- Jamais serão as mesmas fumaças dos mesmos cigarros, nem os mesmos sabores das mesmas bebidas que bebemos até não sentirmos seus sabores...
Afogou o cigarro no cinzeiro.
Ouviu alguém bater em sua porta enquanto escovava os dentes. Gritou para que entrasse. Ouviu os passos irem até o pequeno quarto e nenhuma palavra.
Terminou sua higiene bucal e foi até o quarto. Era Musa que se sentava em sua cama olhando-o com um olhar insano esboçado em sua face ebúrnea de sorriso infante.
Ela segurava uma garrafa de vinho e parecia não ter dormido ainda.
Disse, com um sorriso:
- Fiquei pensando em quem tomaria vinho comigo às sete da manhã.
A face de Musa esboçava um nítido sorriso falso, ao vê-la, Efêmero não sabia se iria rir ou chorar. Pegou a garrafa de vinho e disse:
- Você não dormiu ainda. Você acordada uma hora dessas é algo intransponível.
Musa sorriu bebadamente:
- Hah, como você é observador. Só vim fazer um último gesto, e você é o único acordado agora.
- Ultimo gesto? Do que você está falando afinal de contas?
- Eu vim me despedir.

Efêmero levou uma guinada, e não soube por quê. Musa era apenas mais uma colega com a qual conversava nos corredores da faculdade, ou que bebia e cantava nos luais ocorrentes. Não era de fato alguém que lembraria afinal de contas.
Porém, foi afetado, de fato, pela notícia. Deu um gole na garrafa de vinho e perguntou:
- Mas o que houve? Porque você vai embora assim tão de repente? Vai desistir de tudo antes de começar?

Musa retorceu seu sorriso, como se partisse de comédia a tragédia em menos de um segundo. Engoliu parte da garrafa, acendeu um cigarro e disse:
- Sabe que é engraçado. Agora que irei deixar todo este destino para trás, sei realmente como as coisas nada são senão vários capítulos de um livro. Duram por um tempo, e quando menos esperamos, acabam. Para que a história continue, precisamos passar para o próximo, sem ter dó de virar páginas e deixar para trás os cenários e personagens que tanto amamos.
- Mas porque você vai desistir agora? Ainda temos tanta coisa pela frente, tantos momentos para viver aqui, tanto conhecimento para adquirir, tanto a chorar, tanto a rir!
Porque vai desistir do seu sonho assim?
Efêmero não acreditou em suas palavras, que tão emocionadas, porém, não pareciam tocar Musa, que agora mostrava um sorriso sereno enquanto olhava para janela do quarto, vendo o azul se estabelecer.
Musa respondeu:
- Já realizei meu sonho, agora preciso realizar outros. Ainda tem muita coisa nesse mundo que quero conhecer, muitas músicas e poemas diferentes, cantados e declamados por diversos intérpretes diferentes. Quero ver tanta coisa que ainda não conheço, que preciso ficar em mais de um lugar ao mesmo tempo!
O silêncio tomou o ambiente. Efêmero notou que não conseguiria convencer Musa, eram parecidos neste aspecto. Ambos observavam pela janela o Sol subir cada vez mais no horizonte. Este momento foi o momento mais próximo que estiveram juntos, dentro de todo aquele cotidiano, de todas as vezes, que se viram, durante todos os dias. Ambos sorriam e olhavam para o mesmo céu simultaneamente.
Efêmero sentou-se ao lado de Musa, que afogava seu cigarro no cinzeiro, olhou para o teto e disse:
- Sabe, acho que eu jamais me lembraria de ti se não fosse por este momento. Agora acho que jamais me esquecerei deste momento. Que jamais tomarei vinho de manhã mais uma vez sem lembrar-te, que jamais me esquecerei da maneira louca que você cantava nos luais depois de várias doses de vodka.
- Por isso um último gesto, para levar comigo um gesto de alguém, de você, pra que eu me lembre de tudo de belo que vivi durante estes poucos meses por aqui. Um último rosto, um ultimo sorriso pra associar a todos que vi sorrir, a tudo que fez sorrir enquanto estive nesse sonho.

Olhavam-se com empatia, como se começassem a apaixonar-se. Aquele momento expressou a sensação de acolhimento, de compreensão que ambos procuravam. Pois a única conclusão é a de que tudo que queremos é alguém próximo de nós no final dos ciclos.
Alguém, não importa exatamente quem, mas alguém para carregar uma memória e deixar uma em seu lugar.
Efêmero nunca havia sentido aquela espécie de emoção por alguém antes. Era como se o universo se desconstruísse e a ilusão fizesse mais sentido que a realidade. Olhando pela janela, disse:
- Nem os dias são os mesmos, nem as nuvens são as mesmas...
Musa respondeu:
- E os beijos mais belos são aqueles que não aconteceram.
- Como assim? Indagou Efêmero.
- Os beijos mais belos são aqueles que não aconteceram, por isso não irei beijar teus lábios nesta manhã. Por isso jamais provarás meus lábios, para que se lembre a tentação de tê-los enquanto lembro a tentação dos teus.
- Você jamais irá possuir meus lábios, e eu jamais os teus. Com isso, jamais me esquecerei de ti.
Efêmero estava estático, não sabia como reagir a tal situação.
Musa riu, deu um beijo tranqüilo na testa de Efêmero e disse com um sorriso:
- Adeus.
Saia andando quando Efêmero disse de súbito:
- Até mais.
Musa parou, respondeu com um sorriso retorcido:
- Até mais? Não nos veremos mais,
Efêmero disse em esperança vã e olhos opacos:
- Ainda nos veremos algum dia... Em algum lugar...
Musa olhou na profundidade dos olhos de Efêmero e esboçou seu ultimo sorriso sarcástico:
- Nem os dias são os mesmos, nem as nuvens são as mesmas... Boa sorte, Efêmero.
E saiu andando lentamente pela porta, como se já não estivesse mais ali.
Efêmero nunca mais a viu, e nunca a esqueceu.

domingo, 29 de maio de 2011

Ele Carregava Cacos

Ele carregava cacos,
Vermelhos como pétalas de rosas,
Vermelhos como sangue,
Escarlate gritante na calada da noite.

Ele carregava cacos
Que, quando ele respirava,
Flutuavam dentro de sua caixa torácica,
Cortando-o, dilacerando-o internamente
Em brutal agonia.

Ele carregava cacos,
E um dia ousou retira-los.
Empunhou-se de um alicate e uma faca
Para tornar sua inóspita caixa torácica
Algo além disso.

Ele removeu seus cacos,
Deixando vazia sua caixa torácica.
Esta, de tão torturada, de tão dilacerada,
Já não conseguiu acolher mais ninguém.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Menina-Anacronia

Oh menina, oh menina
Em meu tépido peito enclausurada.
Oh menina, graciosa vítima
De minhas febris serenatas!

Oh menina que me esquentou,
Que em mim consolidou mais uma anacronia.
Agora tua ausência me esfria em nova alteridade,
Após a alvorada que se rompeu
[e o dia que mal começou.

Oh menina, oh menina!
Não minta, não diga
Que após colocar um alvo no peito
Não quer ser pelas flechadas atingida!

Oh menina, sorria!
Tu tens uma flecha no peito!
Deixe-o sangrar!
Deixe teu seio respirar!

Pois enquanto uns as arrancam,
Apavorados no mesmo medo,
Outros de coração oco
Clamam e suplicam pelo mesmo!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

É Preciso Ser Personagem

É preciso ser personagem, neste palco
Com toda sua efemeridade e sua inconstante cenografia,
Nesta transmutação-viva de imagens e sugestões,
É preciso ser personagem para que haja graça
Para a platéia apreciar.

É preciso que haja ação,
Que haja pulmões, coração,
Pernas e braços realizando movimentos,
Prendendo a atenção do público
Com a dança insana e incomum
Das personagens do momento.

É preciso cantar loucamente numa noite ébria;
É preciso chorar desesperadamente (e fazer chorar a platéia);
É preciso ronronar deitado na cama tépida
E gritar de dor numa guinada mal sinalizada.

É preciso sentir impreterivelmente,
Mesmo que isto não signifique mostrar os dentes,
Expor a alma no palco mesmo diante da face
Do sofrimento eminente.

É preciso ter caráter, ideologia, honraria,
Ou simplesmente algo para acreditar,
Ter algum algo para amar,
Alguma cruz para carregar
Ou cova para soterrar...

É preciso ser personagem e atuar,
Ser força ativa do mundo,
Ser o escritor cansado e moribundo
A escrever as fantasias oníricas
Do submundo tão sensível dos artistas.

É preciso ser Sócrates, Platão e Aristóteles;
Ser Schopenhauer, Nietzsche e Empédocles;
Porém, é preciso também ser Caeiro, Baudelaire e Azevedo
Sem ao menos escrever um soneto.

É preciso ser personagem gracioso no palco,
Para que a platéia tenha motivo pra existir,
Para que o ator tenha motivo pra existir.
Porém não ser simplesmente artista na face do mundo,
De alma recôndita, contida,
Mas é preciso somente
Ser artista na esfera da vida.

domingo, 1 de maio de 2011

Nossos Cacos

Todo nosso caso de acasos
Deveria ser banhado por lágrimas e risos,
Beijos e abraços submissos
A essa coisa estranha que chamam de destino,
E não narrados pelos carros que nos atropelaram,

Nem pelos cacos de vidro
Que nossas faces percorreram e cortaram
Ao desintegrar-se da vidraça da alma.

Faltou aquela melodia daquele violão velho.
Aquele pedido absorto atingindo a superfície,
Aquele sorriso torto fugindo
Da esquisitice de ser sincero.

Faltou o grito das estrelas,
A iluminação da estréia de nosso espetáculo,
De quando as trajetórias de nossos lábios
Se encontraram no primeiro ato.

Faltaram os cacos dos corações dilacerados
Se consolando no ventre da noite;
O gesto da carícia empática
Que há entre os desamparados.

Faltou realidade, faltou sonho...
Faltou o primeiro momento teu,
Momento meu de quando eu criei
Um mosaico com todos nossos cacos.

Sim...
Faltou o primeiro momento que se dissolveu,
Que o tempo rompeu,
Noite que amanheceu,
Sonho que se acordou,
A única lágrima brilhosa que escorreu.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Na Boca do Abismo

Juntam-se os símbolos
Na boca do abismo.
Aonde a luz não alcança,
Aonda as estrelas são mudas.

Jutam-se os livros, espelhos e cadernos;
Sintetizam-se os gritos, os bispos e as preces;
Seca-se o sangue, alimentam-se os vermes
No abstrato de cores que se apagaram.

Jutam-se e nada, e logo se decompoem
Deixando apenas os retratos, os diários
Nas bibliotecas que não se incendiaram.

Pois de nada existe tudo e de tudo existe muito,
Na empatia, na apatia de poetas moribundos.
Sintetizam-se os sígnos, sintetiza-se o mundo
[E nada mais importa.

terça-feira, 22 de março de 2011

A Balada do Poeta Ébrio

Gosto dos inebriantes, dos entorpecentes,
Da leviandade dos etílicos e etéricos.
Da pureza de corromper-me
Com a liberdade venenosa.

De sacrificar mera carne
Pelos prazeres de-uma-noite.
De quebrar muros, enfatizar sonhos
E ver o invisível inexistente.

Pois tais prisões são libertadoras
E as outras são autoritárias
E as lentes delicadamente lisas
São aquelas que não se (ar)riscaram de oportunidades.

E dou graças ao pai desta ovelha desgarrada
Ao saber que jamais chegarei novo aos 50
Sem ter vivido pelomenos 20,
Sem ter saido das velhas grades
Do velho berço.

E abençoado seja o fluído da chuva dos loucos
Com a graça e a genialidade
Dos (in)sanos infantes
Que morreram de overdose.

E que fique claro que
O homem cria remédios para sobreviver
A sua criação feroz.
Então, que sou eu além de um remediado, de uma cobaia curada?!

E quando o túnel das pupilas se abrir
Tornarar-se-a largo e anestesiado
Para o violar de meus olhos cândidos
Com as impurezas artificias do mundo.

As lágrimas a escorrer terão gosto forte-amargo
E percorrerão minha face
Denunciando o cego epilético que sou,
Que são os bixos-homem.

E apenas me restou engarrafar a poesia
E ingeri-la, e digeri-la, e vomita-la
E acabar-me num obsoleto livro
De poetas anônimos.

E assim, e-portanto-e-então
Acabarei como um deturpado,
Um perturbado nos sanatórios da "realidade";
Um drink composto das patologias mais cruéis.

Um drink que jamais seria consumido
Por ser subjulgado por cadáveres artificiais
Que nunca chegaram a viver.
E sem me importar, eu, bebida dos boêmios decadentes,
Vou para o fundo da prateleira sem ao menos dizer:

"De nade vale julgarem as tumbas
E os restos mortais que as hatibam.
Corpos são corpos,
Uns viiveram até o fim
Outros de suas tumbas nunca sairam."

Ansiedade

Balões-nuvem fluem e flutuam
Freneticamente nesta correnteza interna
E borbulham e efervescem inconclusivamente,
Incompletos e inertes,
Censurados pelos movimentos membrais.

Acendendo e apagando em curtos-circuitos.
Resultando no ócio epilético
Do ranger de ossos.
Tamanha inquietude física
Que se poe como obstáculo
na trilha do pensamento,
Curva na face linear.

Paradoxo de expectativas,
De metas que podem não se cumprir,
Num insuportável aguardar atroz
Impotente diante dos ponteiros.

Movo-os piamente
No intuito vão de tentar
Fazer acelerar
O nascer desta lua preguiçosa.



Esperar, no âmago de meu ser
É uma das maiores agonias existentes.

domingo, 6 de março de 2011

Mais Um Bêbado De Lástima

Teus olhos perdidos na paisagem
Voando pelos ares, nos encantos do mundo.
Meus olhos afogados em lágrimas, em lástimas,
Sufocados nas pálpebras de insônia.

Teu riso que transcendeu meu corpo
Que abençoou minha existência
Que me deu sopro
Pra eu poder voar.

E jamais compreenderia
Como tais dentes parecem agora
Canibalmente me devorar

E jamais por agora encontraria,
Depois que a água benta virou vinho-sangue,
Melhor saída, cruel bebida para de lástima
[Me embriagar

domingo, 30 de janeiro de 2011

Estátua-Viva

Estática graça sólida
Dentro desta multidão vazia,
De dinâmica alienante
E cegueira.

Tu ocupas um espaço
Dentre estas ilusões efêmeras.
Tu és certeza diante da inconstância
Mecânica destes cânceres urbanos.

E quando me apego
Ao desejo de teu agrado, tua graça,
Compro teu sorriso com uma pequena moeda
Na lata em teu fronte.

Abre os olhos e me dá meu sorriso comprado,
E faz graça, e dá vida e alegria
Jovial a um velho frígido corpo
De estátua de bronze.

Se abana com teu leque,
Lentamente retorna a sua pose
E adormece, e morre...
Torna-se paisagem,
Cenário ao invés de personagem.

E tudo retorna ao nada,
Ao início de nosso súbito
Encontro-relâmpago nessa avenida...

Espero que as moedas sejam suficientes
No final do dia.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Alma de Poeta

Alma de poeta não é coisa bela
Maravilha, beleza a se desfrutar pelo olhar.
Alma de poeta é coisa ferida,
Machucada, dilacerada,
Gotejante em sangue
Pelo verbo sentir.

Pois poeta que é poeta
Se entrega ao sentimento,
Rasga o coração
Sente a dor, a desilusão
Bater implacavelmente no peito.

São seres que se perdem
Nas margens e miragens da ilusão.
Esvaindo-se, admirando-se
Nas bocas da paixão.

E tantas, e tantas... E tantas
Lágrimas derramadas pelo chão.
Tantas agonias, tantas alegrias
Gritadas desesperadamente no papel...

Não, alma de poeta não é coisa bela não
Pois o que há de beleza escorrida
Em tal específico tipo
De intangível criatura perdida
Não é alma, não é o poeta,
É a poesia.