segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Efêmera Graça Dos Rastros Nostálgicos

Vide, tudo é efêmero, meu amor.
De todas graciosas belezas,
Vivas ou passadas, feridas
Abertas ou cicatrizadas.

De todas lástimas já choradas
E toda fé despedaçada,
Nada remanescerá, nada sobrará
Se não meros rastros nostálgicos.

Pois de todos atrozes obstáculos
Implacavelmente prostados
No fronte de nosso caminhar inane,
O registro da memória é tudo que temos.

Tudo que de fato possuímos,
Tal reles conjunto de imagens,
Uma coleção de rostos identificáveis,
De risos e punhais no coração.

E o peso de uma bagagem de emoção
Nas costas do semblante
De nossa alma pulsante.
Esse fluente inconsciente de sentir,
De dar sentido ao existir.

De todos bens materiais,
De todas bebidas e todos entorpecentes,
De todas lágrimas, de todos sorrisos,
Restarão apenas as cicatrizes decadentes
Daquilo que em cruel brasa marcou.

Daquilo que matou, que morreu.
Do interruptor que se pressionou
Para a luz que se desacendeu,
Que apenas iluminará distante,
Com a graça de uma estrela
Morta, o rastro na eternidade do céu.

Marcas... Cicatrizes... Tais rastros nostálgicos...
Memórias em desatino, a perder o sentido,
A perecer constantemente junto de nossa carne...

A perecer... A perecer...
Tantas metáforas somente
Para expressar, de fato dizer:
Colecionarei boas lembranças
Como obras de arte,
Como romances na biblioteca
Que adentra minha cabeça.

Pois para tecer sorrisos,
Afirmar identidade, basta ler
Tais bons livros e escrever novas obras...
Atuar, somente. Apenas
Viver, simplesmente.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Sorte de Ser Poesia

Quero a sorte de ser poeta morto
Antes do abrir-de-cortinas do céu
E do início do transitar
Frenético dos homens-máquina.

Quero a sorte de ser boêmio,
Poeta ébrio na liberdade da noite.
Livre das grades abstratas
Que tanto sufocam o bicho-homem.

Quero a sorte de ser apaixonado
Enlouquecido, de cantar serenatas
Aos pés das janelas
Das moças mais belas
Aonde romance virou coisa de poeta.

Quero a sorte de ser vagabundo,
De ser louco. De ser o resto do pouco
Que restou dos hereges,
Dos que negaram a se converter.

E quero a sorte de ser poesia,
De ser sentimento desvairado,
Despreocupado, apenas instinto.
Apenas sentido pra existir.

Nós somos o que sentimos,
Então deveríamos aceitar o ser.
Questionar as ordens e desobedecer.
Escutar a voz ignota das emoções.
Pois quem já não sente
De fato já não é.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Uma Lamúria do Tempo Perdido

E quantos livros não li
Quantas poesias não escrevi
Quantas serenatas não cantei
A quantas amadas que não deletei.

E quantas lágrimas não derramei.
Do tempo que, pouco a pouco
Esvaiu-se fluindo, constante rio,
Em meu inerente cio de criação.

De quantas noites olhando a miragem,
Letárgico ócio em sublimação.
De quantas noites sem paisagem,
No teto de meu quarto-solidão.

Alienado, inválido, assisti
Como platéia, nos camarotes embebidos
De melancolia e solidão, a peça bucólica,
A melodia inconstante de existir.

Anestesiado, estático, na desesperança
D'um fantasma. Intangível, invisível,
Apenas a vagar-parado, em sua maldição estática
De por nada passar, nada integrar e
Por nada ser concebido.

Mudo de alma auto-selada por insegura,
Repreendida por traumatizada.
Apenas peça estática, sublimada
Por medos passados pelos mesmos relógios.

Ah, tudo que poderia ter sido!
Tudo que poderia ter nascido das centelhas
Absortas que nunca viram a luz da superfície,
Nem nunca tiveram a chance
De violar um papel virgem.

Ah, o quanto poderia ter amado!
O quanto poderia ter me contagiado
Da doença que é amar como assassino e vítima.
No confuso jogo preferido
Desta tão pobre e rica humanidade falida.

O que poderia ter feito...
O que poderia ter criado...
E todos esses verbos configurados para o passado...
Porém tudo se esvai, e tudo se tornou cinzas.

Nada remanesceu a não ser este pobre lamento.
Esta pobre lamúria daquele que não viveu,
Apenas assistiu. Apenas fitou a obra de arte da qual
Tal desconsolado inane poderia ter feito parte.

Nada restou a não ser as memórias que nunca existiram.
Os sonhos das oportunidades declinadas, definhadas...
Das pobres epifanias abortadas. Apenas restaram
Sementes envelhecidas que nunca foram regadas.