sábado, 30 de março de 2019

Não deixo de fazer poesia


Tensão que torce
Carrego nas costas o peso das palavras,
Parágrafos e parágrafos se imprimem em meu corpo
Torno-me livros, artigos, dissertações e ofícios,
Peço a mim mesmo que não deixe de fazer poesia

Não deixe de fazer poesia

Traço com os braços poemas no ar
Com as pernas escrevo canções e com os quadris quebro tabus
Arrumo encrencas no ambiente de trabalho
Negociando fissuras entre os escombros das instituições públicas
Esbarro corpos encantadores e me apaixono por suas estranhezas
Mas não escrevo

E não deixo de fazer poesia

A poesia não é de quem a faz
Foi parida para o mundo e por ele também criada
Sou cria de um mundo onde reinam burocratas
Se há estado para traçar a vida pelo medo e hipocrisia
Meu estado é o estado da poesia
E se a máquina não para
Aqui a poesia metralha
a vida de vontade de viver

E não deixo de fazer poesia

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Esquizo

A natureza é feita de conexões
Cada corpo que habita o espaço
Nele compõe um relacionamento singular
Cada laço traçado pelo olhar
Fala o tato de cada poro
No entrelaçar de cada encontro
Nasce o desejo

O insconciente não é um depósito de traumas
Uma câmara secreta que deve ser estudada pelo arqueólogo
Avaliados vários fósseis e interpretados hieróglifos antigos
O insconciente é potência subversiva e criativa
É produção infinita de encontros
Produção improvável de desejo
Que alcança os corpos na tecelagem da realidade

Tomando conta da produção de si
Estendo tentáculos a corpos que me fortalecem
Como o rizoma que busca expansão
Brotam em mim novas potencias
Na busca incessante de transmutação
Nômade debaixo da terra
Abre tuneis de minhoca para se alimentar

Sob o corpo múltiplos solos férteis
Forças que procuram expressão
Canta a vida que divaga
Em busca incansável de variação
Mas ao se deparar com o limiar do muro
Não destrói tudo ou esquiva os tijolos
Mas cava fissuras, lentamente,

Para atravessar e atingir novos territórios!

quarta-feira, 24 de maio de 2017

O Afeto é Inevitável

escrevo com as mãos 
poemas que lutam contra a apatia 
no malabarismo do dia a dia 
não adio a poesia
pois no corpo jaz a produção inerente de discursos
circuitos em curto que produzem faíscas 
rompendo as fronteiras
entre o fantástico e o cotidiano
no balanço da capoeira
jogando para cá e para lá 
faço revolução com a arte voraz
o afeto é inevitável
e em tempos de ódio 
luto contra o fascismo sem Temer 
pois é fazendo da vida poesia 
que encontro coragem para ser 
tudo o que puder ser
em cada encontro existe potência de novos mundos
em cada canto canta mais um verso 
que muda o que é mudo
que tece universos
mudo de casa
de postura 
de profissão 
pois é na audácia de ser poeta
que encontro minha razão


terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Ladainha da Resistência

O teatro anuncia
O rito que alegra
Ritual, magia pura
Que transcende e atravessa

O povo ritualiza
Sempre ritualizou
A cultura popular
O povo mesmo que criou

Isso é coisa perigosa
Pois o mundo se encantou
E essa gente poderosa
Morre de medo, sim senhor

Pois quando o povo junta
Canta dança e balança
Encontra força e vida justa
E alegria de criança

Maracatu, maculelê
Candomblé, umbanda, bumba meu boi
Samba de roda, capoeira
Força intensa sempre foi

E se a polícia chega
A gente canta em outro lugar
A poesia flui como um mar

Que ninguém pode parar, camaradinha

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Magnificência

Há no caminho magnificência do destino
Desatino
Num rompante de pedras que fazem com que os sapatos pulem numa dança
Lembro-me da importância de sentir os pés no chão,
No concreto
No material
No real
Não há deus que me caiba numa unidade
Não há eu que caiba numa unidade
Não há quem diga o que se deve fazer na específica adversidade
Pois o corpo tudo pode se transformar

Em vias de uma onda fascista que reveste o mundo com ideais de violência e morte
Penso que certas ideias andam ultrapassadas
Mas é nessas vestes arcaicas que está o controle da população
Se se dizem como deve ser
Onde deve ser
O que deve ser
Não há então razão
Apenas dever.

Mediocridade nas televisões e rádios,
Deus, pátria e família entre senadores e deputados
Bando de criminosos, infratores hediondos
Que tem a coragem de dizer para não pecarmos

Ou melhor, coragem não!
Quem é dono de imensos impérios agrários
Quem é patrão de diversos funcionários
Quem nasceu no berço dourado
E é herdeiro de tanto dinheiro roubado
Não precisa ter coragem para encarar a vida

Coragem precisa quem nasce na periferia
Que luta pela sobrevivência desde o dia que nasce
Coragem precisa o preto que sai na busca de emprego
Em tempos de crise
Coragem precisa a travesti, a transexual para habitar o espaço público
Sem que seja agredida e humilhada
Coragem precisa a mulher para andar na rua à noite
Sem ter medo de ser violentada

Coragem em desatino
É flecha precisa
Preciosa a razão que leva estudantes às ocupações
Precioso é o encontro entre corpos que pulsam e cantam
É preciso inventar novas formas de existir.

E inventar é perigoso.
Destoar é pejorativo
Cuidado!
Vão tentar de trancar num quarto
Ou te dar um antidepressivo

Lembro-me que na luta de cada dia
Resiste quem se junta
E cultiva a alegria
E não uma alegria vã de novela das nove,
Rede Globo e cia.
Em tempos de ódio
É necessário fazer brotar
Raízes que ligam toda essa gente
Em resistência, dança, brisa

Vida em forma de poesia.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Pássaro que voa é mais feliz

Olho dentro dos olhos
Profundo é o alento que me atravessa
Me perco no brilho ressonante
Dos dentes que iluminam sem pressa

Presente é o embrulho que abro
Todo dia, fresco
Como pólen a voar de flor em flor
Delícia é alegria que trago
Fumaça que transpira
Num corpo repleto de amor

Amo como um nômade ama seu caminho
Como um pássaro que ama seu ninho
Em desejos que se manifestam em atos
Afetos que traçam laços que não amarram

Abraço com braços abertos que não se fecham
As asas se entrelaçam , mas não impedem o voo
Se me seduzo com a ideia de coloca-la em uma gaiola
Lembro-me da máxima que diz:
Amar é deixar voar
E pássaro que voa

É mais feliz

quinta-feira, 10 de março de 2016

Galopes de Saturno

As pedras de cascalho na rodovia
Acariciam os pés que caminham e persistem
Os chifres curvados não confundem persistência com teimosia
Há a coragem de subir das profundezas do mar até o topo da montanha

Para trás há um infinito e para frente há horizontes
Distintos imprevisíveis como chuva de verão
Cada raio de sol ardente, cada lufada de vento de caminhão,
Faz florescer flor caliente que habita o peito fértil em abundância

Em direção ao mar abrem caminho
Na selva de pedra há selvageria sem precedentes
O amor não é sempre sorridente
Mas guerreia com o cuidado de não cair do cavalo

A estrada em minhas costas é a pista de pouso dos sonhos mais pretensiosos
A amazona ao meu lado, virtuosa, veio para dar cor ao mundo
E dançamos, cantamos, entre declarações de amor e silêncios soturnos
Até que se apresente o próximo cavalo de aço que nos guiará adiante

Ir em direção ao horizonte

Já não é absurdo.