terça-feira, 22 de junho de 2010

Idiotização Romantica

Calo-me, me abstraio no azeviche de minha mente.
Alieno-me com conteúdos falsos,
Correndo de meus pensamentos sensatos
Que se esbarram na insolitez de meu sentimento.

Esfaqueio-me, dilacero-me
Forjando memórias que eu não possuo.
Corto os pulsos de minha alma
E engulo frascos e frascos
De anestesia alienante.

Esqueço, ou pelomenos
Tento fingir o esquecimento.
E escrevo em sangue
Vômitos emocionais.

Meu sacrifício emocional
É logicamente insensato.
Assim como é irracionalmente sensato
Diante da insensatez de uma emoção.

Dilacero-me no tempo
De ponteiros de relógios antigos.
Quebrados, perdidos
Por motivos claros e dignos.

Quebro os espelhos do reflexo
De minha mente.
Este hábil carrasco
De meu coração.

Quebro-me a pedradas
Em contusões profundas
Pois este mundo
Não foi feito para loucos apaixonados
Como eu.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Pulsar

O sangue escorre
Ardente, escarlate,
Sôfrego e dilacerado.
Como um desespero aquoso
Flui, lenta e agoniadamente.

As manchas marcam o tapete.
Esferas de vitalidade exposta
Pronunciam-se discretamente
Como o grito de dor
De um amordaçado.

Os olhos em pânico
Distraem-se, perdem-se.
A consciência se esvai.

As pupilas dilatadas dão lugar
A branquidão de um desmaiar.
As pálpebras se fecham, lúgubres,
Na expressão chorosa da vítima.

Um suspiro pós-grito se ressalta,
Um gemido abafado escapa da boca
Sem chegar ao ambiente.

O corpo se contrai em susto,
Em dor impensável.
Logo, este se relaxa
Repousa em seu leito de morte.

A carne esfria.
A pele empalidece.
Os reflexos cessam.
O sangue para de escorrer.

O pulso já não pulsa.

Preferências

Das mortes as mais belas.
Das carícias as mais puras.
Do sangue os mais escuros.
Das noites as mais soturnas.

Pois um ser puro
Jamais seria relativamente
Interessante, ou nitidamente
Relevante e intrigante.

Pois uma noite clara
Possui muito pouco mistério,
Pouco terror e pouca agonia.

E uma carícia falsa
Não reflete sentido.
Apenas ilude a vítima,
Gera-se um ato inválido e onírico.

E o esvair da vida
Diante do corpo,
Da mente e do coração
Deve ser digno.
Da metragem corrida,
Da intensidade em vida
Sofrida pela alma
Em ponteiros de relógio em vão.

sábado, 19 de junho de 2010

Noite Vazia

Nesta noite de insônia, o céu não demonstra significado algum. Não, nenhuma filosofia vã, nenhum pensando onírico, nenhuma nostalgia, nenhuma música, nada.
Escuta-se apenas o cantar obstinado de um galo distante nessas ruas vazias. Como se houvesse significado para este som irritante.

Talvez, nesta noite-quase-manhã de insônia, ele não tenha sentido tudo que poderia sentir. Talvez, se ele estivesse na ausência de seu cigarro, companheiro de toda solidão e de todo prazer, ou de seus analgésicos, essenciais deuses do conforto para sua atual situação, esta noite tivesse mais sentido e mais emoção.
Talvez este seja seu maior medo: noites sem emoção, sem objetivo, sem causalidade ou razão. Medo de tornar-se um ser-máquina comum como tantos existentes nesta tragicidade humana.

Um rosto seco e inexpressivo, uma mente sem foco e exaurida, impossibilitada de sonhar. O olhar vazio fita a parede branca, reflete-se em si um nada que consome.
Não existia nada para pensar, ou talvez não existisse capacidade para pensar. Apenas acendeu mais um cigarro, tragou-o pesadamente e observou o vazio dentro de sua mentalidade.

Nota-se um sinal de vida em si, um sinal de que não se tornara uma máquina padronizada. Nota-se uma irritação profunda por este ócio. Esta fadiga começou a o dilacerar. Este estafa inexplicável deu gênese a uma profunda inquietação irremediável. Não havia o que fazer. Ele sabia que não poderia dormir, que não poderia se refugiar em fantasias oníricas mais uma vez para dar algum sentido a uma noite vazia. Sabia que, em um ato desesperado, ligaria a TV e encontraria apenas futilidades irrelevantes que apenas o irritariam diante de sua inconformidade. Já havia se enjoado dos livros que possuía, de tanto lê-los e relê-los. Porém nunca havia tempo para comprar novos. E procurou possibilidades, perseguiu errantemente qualquer esperança, por mais vã que fosse, de se livrar daquele vácuo existencial.

Surtou em eloqüente frustração, sem nenhuma solução aparente ou nenhuma anestesia possível. Jogou-se ao chão em poeira inóspita e fitou o recipiente da lâmpada da sala em que se encontrava. Notou a quantidade de insetos mortos se acumulando naquele pequeno cemitério de criaturas insignificantes. Pensou consigo mesmo em diálogo irônico: - Como são felizes alienados estes pútridos insetos. Vivem por tão poucas horas que nem sequer precisam de significado para existir. Apenas cumprem seu instinto simples e padecem anestesiados em uma morte súbita e fria, pois não existe tragédia se não existe significado. Não existe mágoa se não existe o que lamentar ou o que perder, nem existe preocupação ou relutância.

Trágica é a humanidade, tão racional e tão perdida que procura obstinadamente por algum sentido para justificar sua existência.
Tão sôfregos, que quando se encontram na ausência de significado, desesperam-se e surtam incessantes até que algo os anestesie com alguma lógica ou emoção.

Ele concluiu seu devaneio, riu-se, e encontrou seu refúgio em seu carpete imundo no desmaiar de sua mente exaurida.

domingo, 6 de junho de 2010

Devaneio-Enleio (Eólica Noturna)

Noite fria que me ilumina
Resvalando ventos límpidos.
Inodoras bênçãos
Que esfriam minha carne.

Doçura oportuna
Tão simples e inválida.
Tamanha graciosa ternura.
Minha inspiração sem precedentes.

Meu diálogo profundo e incompreensível
Com os ventos que banham,
Que atingem inconstantes
Esta bela morada.

Procuro apenas ser
Puro como o vento:
Sincero e espontâneo
Prazer oportuno
Ou desconforto súbito.

Observo o azeviche
Profundo deste belo céu
Sem estrelas, sem nuvens
Como em constante meditação.

E vejo em reflexo
Pedaços simples de vida
Fluindo na escuridão.
Vejo lágrimas e dentes
Em céu composto de emoção.

Vejo miséria e alegria
Dançando em plenitude.
Vejo dor e prazer
Igualando-se no nada.

Vejo tudo em meio
A plenitude do nada.
Pois somente este
Vazio por si só
Poderia ser completo em existência.

Vejo em enleio
Que somos apenas
Uma síntese de sentimentos
Que jamais será plena.