quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Meu Poema Caiu no Chão

Meu poema caiu no chão
Quando leu as manchetes dos jornais.
Caiu no chão quando ouviu os sussurros
Vindo das casas pau-à-pique, de pedra,
De madeira compensada, de papelão,
De sacos plástico, de telhas esburacadas...

Meu poema gritou de susto
Quando respirou gás lacrimogênio e ficou com o peito e olhos em brasa,
Quando acertaram um tiro de borracha na cara
De uma jornalista
E viu um policial em chamas de molotov.

Meu poema urrou de agonia e medo
Quando Amarildo – assim como vários outros- sumiu
Na espuma da baba de cães raivosos com raiva
Encoleirado por sua tão pura higiene mental.

Meu poema vomitou várias e várias vezes
Após beber inúmeras garrafas de cachaça,
Conhaque, vodka e vinho barato;
E fumar inúmeros baseados,
E cheirar inúmeras carreiras de cocaína,
E mergulhar no ácido
E no tesão sintético.

Meu poema chorou
Quando caiu o nariz do palhaço
E a risada acabou.
Quando o malabarista derrubou seu chapéu
E as moedas tilintaram no asfalto.

Meu poema sentiu vergonha de si
Quando leu “Omissão” de Ferreira Gullar.

O meu poema pulou de alegria e esperança
Quando viu os universitários em greve
E o povo nas ruas gritando e clamando por
Justiça e dignidade.

Meu poema sangrou quando a mídia nos engoliu;
E quando nossos militantes foram detidos
E as toalhas, blusas, calcinhas e pertences de nossas militantes
Foram gozadas.

Meu poema sangra cada aborto que mata uma mulher,
Cada estupro,
Cada violência sexual.

Sangra cada assalto e cada reintegração de posse.
Cada usuário de crack na Estação da Luz
E cada calafrio de uma criança em situação de rua
Descalça no asfalto da madrugada.

Sangra cada gay, travesti, transexual que é espancado,
Dentro e fora dos holofotes.

Meu poema sangra e grita,
Mas como dizia Gullar:
“A poesia é rara e não comove,
E não move o pau-de-arara”

Mas meu poema grita e sangra
Batendo dentro do peito
Como uma impiedosa alfaia.

Meu poema nada fora da raia
E não é o suficiente.
Mas meu canto e minha dança,
Meu corpo insaciável,
Ocupam o espaço.

Meu poema é amor, tesão
Ritmo e compasso.
Tentado transformar cada pedra de cascalho,
Em conchas de mar
Numa praia aonde

Qualquer um possa nadar.