quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Chama Remanescente

A luz que se apaga apenas acentua
A chama ardente que remanesce,
Mesmo sem ar...

A estrela se sufoca, implode,
Dando gênese ao buraco na parede da memória.
Encerrando o espetáculo que não havia começado,
Embora todos tão vívidos ensaios...

Os atores – que ainda nem sequer eram personagens –
Dançavam no palco sem cenário, sem roteiro,
Sem iluminação daquele teatro vazio:
Nosso sarau, grotesco e surreal,
Sem diretor e sem direção.

Dançavam sonhos em efemeridade da escuridão.
Pedaços de vida rindo, gritando, escorrendo
E exalando seu corta-rédeas-de-padrão...
Atores mal-pagos pelas pedras das rodovias
- Tão vazias vias – que furam seus sapatos velhos e baratos.

A trupe que invadia e ocupava, sem alvará,
Sua função de estar, em dispêndio da matéria,
Na fúria atroz da pena que voa, que escreve,
Que sangra...

Os palhaços a riam, os malabaristas a agitavam,
Os poetas a exaltavam junto dos bardos
- Que a cantavam junto de seus fardos – em dentes amarelos
E olhos secos de tanto chorar e rir, ela:
A asa de voar para os céus desejados.

E, de súbito, uma das poesias deixou o livro em composição.
Sem se despedir, se esvaiu, sumiu, desapareceu.
A concepção era simples, e não de preocupação:
Esta iria dançar em outros livros.

- Seu brilho esta no céu, nos iluminando com olhar vívido de atriz-feliz,
De criança sonhadora nos primeiros vislumbres do mundo.

Os livros se encaminharam,
As trupes encenaram, se encerraram e continuaram,
E várias poesias foram saltitar em outras páginas.
O mundo virou nosso palco, e já não estávamos ensaiando.
(...) Nada se soube sobre a poesia atriz-feliz.

E foi-se dada a notícia num mural velho de mais um dos palcos
Rechaçados e dilacerados, no qual poetas bêbados e entorpecidos
Cantavam mais uma ode dos marginalizados.
(...)

O silêncio estanque fulminou a garganta de todos.
A hemorragia recôndita fora cruel, um súbito linear
Dissonando a nota única que todos esperam, desesperam e exasperam.

Uma estrela que se perdeu em seu fôlego.
Um pedaço arrancado da bomba sanguínea de cada poeta gritante.
Lágrimas alcoólicas e sangue toxicológico...
Um poema incompleto, uma covardia da existência
Abortar uma estrela viva...

A lástima intransponível...

Não haveria de se dizer mais nada.
As poesias se entreolharam em seus prantos, com um único e uníssono verso já citado:
- Seu brilho está no céu, nos iluminando com olhar vívido de atriz-feliz, de criança sonhadora nos primeiros vislumbres do mundo.

Uma estrela morta ainda grita dentro de sua galáxia...
A luz que se apaga apenas acentua
A chama ardente que remanesce,
Mesmo sem ar...

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Ao Invés de Várias Doses, Uma Garrafa Inteira

“Foi um pouco de tudo no meio do nada”
Enquanto não-santos foram fieis de fidelidade diferente – nada de coisas concretas, só poesia.
O palhaço e a palhaça decidiram: ao invés de pagar caro por várias doses,
Escolheram pagar por plenas garrafas.

A palhaça lhe deu um nariz, o palhaço a deu um complexo.
Ambos riram destilados - e daqueles também – diante de seus cigarros...
O palhaço disse:
- Eu gosto de marcas, são memórias concretas. E toda experiência é sempre válida.
A palhaça ficou vermelha como seu nariz...

Trocaram pronomes, adjetivos, verbos e métricas presentes e ausentes
Eles haviam se soterrado.
Sintetizado intenções que tomaram caminhos diferentes diante do frio e da poesia.
(...)

O palhaço fitava e lia as paredes enquanto a palhaça fazia café.
A palhaça disse – com canecas e garrafa a mão:
- Vamos escutar a gaita, já que não fizemos o pandeiro e a flauta.
O palhaço sorriu com bafo de café enquanto recusava-se a voltar do onírico

Metade do brinco sumiu, a outra ficara com a palhaça.
Caminharam, o palhaço sem-brinco-com-nariz e a palhaça com meio brinco e um complexo amaciado pelo cômico, pelo sol da manhã que já se esvaira.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Câncer Do Vazio

- Bla bla bla, e todas coisas mais que você diz sobre si mesma, não passam de outdoor mal-colado na avenida, de pixação rústica no muro sujo da rua escura...
- Largue de ser cínico e hipócrita Poeta Ébrio, tu sabes que o único decadente aqui é você!
- Eu que sou o decadente, Musa!? Não sou eu o robotizado, a maquininha de caixa-eletrônico que expele notinhas pelas partes baixas! Não sou eu a engrenagem, lubrificada pelas cabeças de cima da nuvem, rodando sem parar neste organismo grotesco de suor e sangue!!!...
- Não comeces o discurso piegas e seu blábláblá bêbado-surreal nesta salada de críticas metafóricas que usas como argumento no diálogo unilateral. Tuas lânguidas e porosas falácias são apenas folhas secas que passam pelo meu fronte no outono: Ou nem sequer me atingem, ou são simplesmente pisadas pelo meu sapato.
Poeta Ébrio aponta para a face de Musa com seu júpiter furioso
- Tu és cega pelas mesmas configurações e condicionamentos que mecanicamente responde e ganha um biscoitinho, como uma cadela adestrada!
Julgas “diálogo unilateral” a língua do poeta que tu não entendes – e jamais entenderá – se não libertares a poesia estagnada, na cela enferrujada, do peito exasperado!
O silêncio envenena o ambiente, ambos sufocam suas línguas com a epidemia venenosa dos ecos de cada pequeno som diante do vácuo. Musa fita o céu cinza da noite urbana, através da lente suja, com um olhar de cólera em síntese com seu corpo rijo e tenso. Acende um cigarro aos tremeres inconscientes, e guina teu olhar infectado pela mais pura ira que um dia Poeta Ébrio já vira:
- Tu jamais entenderás o que é o determinismo, cretino-como-câncer, de um bando de cabeças mecânicas-em-vácuo que te estupram desde a infância com suas imagens vazias, cheias de pretensões e terceiras-intenções, de fetichismo da existência!
Poeta Ébrio se levanta da cadeira cheia de formigas e infectada pela ansiedade oca de tremeres, caminha mancamente pela sala, em disfarce de adolescente chegando bêbado em casa às cinco horas da madrugada. Seus olhos se esbugalham com o comentário de Musa, porém, ainda sim, a observa com um olhar soberbo, como se Musa fosse apenas mais uma ovelha desgarrada aprendendo a andar sem um pastor. Pretendia ajuda-la se não fosse cega-surda-tagarela.
Musa inconteve o silêncio e continuou o falar exasperado, soltando todos seus demônios recônditos encima de Poeta Ébrio:
- Minha mente é uma cabeça matastaseada com o câncer do vazio! O fetiche condicionado consome apenas lixo enfeitado, eufemismos de realidade! Não tenho um filtro que separe o entulho do extulho, nem o lixo do luxo!
Poeta Ébrio agora se inconforma,vê em Musa um espelho partido, sujo pelas poeiras do existir, vê teu passado gritando: “Tu jamais atingirás tua obra, Poeta-Pateta na contramão!”.
Exaspera teu grito de sermão libertador:
- Tu não tens filtro?! Tu apenas observas pelas lentes! Apenas olha pelas lentes opacas, trincadas, machadas e distorcidas pelo padrão! Teu erro é observar por lentes!
Pare de procurar caminhos e crie estradas! Pare de lamentar tua infecção pela configuração, tu não és a única! Pare de observar por lentes, seja a lente!
O Poeta bate a mão esmagadora sobre a mesa e fita Musa com o olhar desconcertado. Esta olha para os próprios sapatos e, em conflito existencial pleno, observa seu pé se mexendo histericamente.
Ele olha as horas no relógio, se aproxima da porta do apartamento, seus passos ecoam caminhando pelo silêncio, observa Musa tremer enquanto seus olhares abrem e fecham e seu rosto se rubora:
- Sabe qual é o silêncio mais cruel que existe? O da madrugada, pois este poderia simplesmente não existir se estivesse no lugar no certo, na hora oportuna e libertadora, quando as luzes se apagam e os loucos não precisam usar máscaras.
Não há mais nada a se dizer neste cômodo oco.
O Poeta Ébrio abre a porta, dá seu primeiro passo de fim-de-noite, e bate a porta do apartamento de Musa, como se se despedisse com o barulho ecoante de sua inconformação decepcionada da madeira barata batendo no estalar do portal daquele universo que julgava pobre.
Musa chora durante duas horas até desmaiar de sono e tensão enquanto Poeta Ébrio desmaia em uma calçada no centro da cidade.