terça-feira, 20 de março de 2012

O Naufrágio de Uma Noite (Ósculos Ácidos Artificiais)

Todas as garrafas estavam no chão, acompanhadas de um oceano de bitucas de cigarro e cinzas... Todos boiavam naquela superfície de águas de prazer artificial, de olhos fechados e rostos distorcidos – sendo impossível descrever o que sentiam – perdidos em proa num náufrago decadente.
O cargueiro que carregava todas aquelas mercadorias sem-valor fora atacado por uma tempestade insólita de vinho, conhaque e cerveja. Chovia intensamente, as nuvens eram moldadas pela fumaça tragada por piratas que dançavam com sereias cruéis e sedutoras.
Corpos boiavam amortecidos, dormentes... Copos vazios encaravam dementes... Pensavam em se mover, porém não conseguiam... Pensavam em nadar, pensavam em se afogar, pensavam em atingir o fundo do mar... Pensavam em pensar... Era inútil tentar voar sem asas, nadar sem respirar.
A alegria havia deixado o convés. Mal se sabe como ou por onde, afinal, ela não sabia nadar, não sabia voar, muito menos remar num bote salva-vidas. A alegria era débil, deficiente, deformada e impotente. Era uma adicta às tempestades ébrias que banhavam poesias pobres de poetas podres...
(...)
Havia amanhecido. Remanesciam todos, como páginas de poema que perdeu a tinta, molhadas, prestes a se desfazer. Apoiavam-se nos pedaços de madeira daquele grande e belo navio insensato. Oh! Aquele grande e belo navio insensato! Ele navegava pelas mais belas ondas tempestuosas com tanta graça, com tanto clamor às coisas meramente escondidas dentro de cada ser desgraçado pela graça de existir!
Era como se uma viajem fosse resolver ou dissolver todos os dilemas, todas as situações e problemas da existência tácita e ebúrnea. Como um avião a jato comprado, carregando todo tipo de objetivação existente como combustível, voando e nadando quimicamente, sem que houvesse o menor sentido para leis da natureza e todas as ciências que aqueles passageiros embarcados nunca iriam – e nem queriam – compreender.
Existiam suas ilusões, assim se confundiam passageiros com a gasolina que não era nada – nada! – convencional.
Queimavam-se, consumiam-se, pouco a pouco, até não restar nada além de cinzas e fumaça.
Tinham esperança enquanto se encontravam a navegar, a voar... Tinham um destino que nunca pretendiam alcançar - o destino pouco importava -. O prazer estava no caminho destas ondas líricas e não na ilha do suposto tesouro vigente. O sonho lúcido se desfazia enquanto a mente acordada corria e corria e corria, o corpo morto e morno se debatia, as pupilas dilatadas amanheciam.
E o calor queimava atroz o olho vil. Eram pessoas tortas, tortuosas, torturadas... Almas penadas dando socos na rotina. Errantes e impossíveis tentavam se libertar de seculares dicotomias. Eram inóspitos vivendo pedaços de céu num inferno ensolarado.
Beijavam a morte pouco a pouco em preliminares. Ósculos ácidos artificiais.
Tudo que havia era celebrar a vida e beber caixões. Cultuadores da morte e da vida, e não queriam dormir... Pois não queriam acordar.
- Pois não havia cura para realidade demais. Não havia cura para esta coisa vivaz que era a melancolia. Não havia tanta esperança de paz nos beijos das ondinas.

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