segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Paciência, Noite e Dia

Desejos que se implicam em pesos
Fardos que caem sobre o eu como bigornas invisíveis
Acreditar que se possui asas é possível
Mas não aquelas que estão nas vitrines

Pois um corpo pode ser uma escultura
Mas que seja uma cultura do corpo
E não uma pintura medíocre
Num outdoor num cais, no porto

As coisas são como são
Elas se transmutam lentamente
E a velocidade cabe num pequeno passo
Que é o primeiro a se iniciar
E o mais desengonçado e displicente.

Na sola dos primeiros pés
Nos joelhos do primeiro engatinhar
Posso primeiro parar o autoflagelo dos chicotes
Para depois aprender a me acarinhar

E quando quero tudo na velocidade de uma metrópole
Paro e penso que o Sol e a Lua são pacientes
Mantém sempre o ritmo
E chegam ao destino
Para começar de novo.

Eu Sol Lua paciente
Mantenho a dança no ritmo
Desembarco na estação da transmutação
Para que possa haver noite e dia

Dentro de meu coração.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Poesia

Se meu canto saísse em letras
Eu não leria
Apenas esparramaria na parede mais pública
Mais próxima
Mais oposta à parede inóspita
Só para deixar um suspiro de poesia
Nessa terra cinza

Pois sei que há
Uma colorida harmonia
Dentro de cada ser que
Com coragem e ousadia
Constrói sua existência

Como obra de arte contínua
Exala e grita
Através do concreto e do caos...

Quando um poeta grita
Ninguém escuta
Quando um poeta morre
Ele é cult
Mas quando o poeta é...

Ser transpõe tudo que é belo nesse mundo
E a obra de arte

É a existência.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

De Olhos Abertos

Dance no chão comigo
Sejamos vencidos pela gravidade
E nesta derrota em bandeira branca
No berço da terra tentarei enterrar minha vaidade

Fecho os olhos

E enquanto rolamos adiante nas campinas equidistantes
Olho no céu teus olhares de oceano
Azul como o pano de minha calça e o pranto de minha náusea
Mergulho dentro destas janelas com desejos e liames

Nas águas profundas da musa
Desvendo Atlântidas e os desafios de sua semântica
Para dentro do enigma encontrar
Este perfume maior que me busca

Que desafia do olfato ao paladar
Para ao poeta enfeitiçar
Dentro dos tímpanos escancarar
E no samba do coração ao palpitar

Mas quando voltei a mim e abri os olhos
Encontrei teu rosto esculpido em forma de sorriso
E desejei que estivesse de olhos abertos

O tempo todo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Oceano dentro de uma gota

Quando pensei em procurar um amor
Veio dentro de mim uma angústia escandalosa
Análoga a intensidade de uma tranca ferrosa
Que exclamava quando de dentro exalava este ardor

Quando procurei o amor
Trepei no jardim, na escada, no bosque da faculdade,
No banheiro público do parque,
Bebi em inúmeros bares
Doses dadas e vendidas
Em diversos limiares

Bebi com damas fatais,
Homens charmosos e sensuais,
Donzelas tímidas
E senhores e senhoras de mil carnavais

Quando decidi buscar o amor
Virei a mesa e quebrei garrafas e copos
Cortei os pulsos e escrevi mil cartas de suicídio
Dei tiros nos espelhos e nos pássaros

Quando busquei desesperadamente o amor
Caí com a boca na sarjeta
Persegui a sombra de minha própria silhueta
Engasguei com minhas próprias labaredas

E aí então percebi,
Depois de mártir eu não quis ser faquir
Pois não encontrarei o que busco no vasto mundo
Se não dentro desta gota que habito
O amor que procuro está dentro deste oceano vivo.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Flores Ser!

Chegada a primavera
Após os tempos de caverna
É momento de flores – ser
De flores-dar e receber

Equilibra-se a Deusa Terra,
Ela, Donzela graciosa, Mãe amorosa e sábia Anciã,
Observa grata
Enquanto movimentos coloridos brotam em seu jardim.
São seus filhos e filhas dançando com as borboletas e ninfas
Numa brincadeira sem fim.

Hoje já não sou a Ironia Decadente
Pois todo luto deve acabar.
Todo caixão deve retornar a sua origem
E toda dor deve ser perdoada para que a estrada se siga em frente

E jamais chorarei ao Sol poente,
A noite integra cada indivíduo
Mas a luz dentro do peito contente
Toma as rédeas neste momento rico.

Gratidão pela Coragem de Saltimbanco que floresce em meu peito
A aura luminosa que envolve meu coração
Pois, com meu nariz vermelho ou não,
Se existe algo que eu não possa desapegar nessa vida

É desse sorriso bobo e brincante de meninão!

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Às Galinhas Psicodélicas (Flor Nascendo do Asfalto)

Quebram-se rotas
Para se expandir as linhas do mapa.
Torcem-se novas,
Veias abertas e sangue morno
Enquanto o calor canta na estrada.

Os pés se movem no samba torto
O coco que os paulistas paranoicos
Aprenderam no Sergipe
Pode ressoar até Minas Gerais

E ainda muito longe irá
Pois quando o navio está longe do cais
Aprende a ser submarino.
Quando a flor se rompe do caule
Torna-se poesia.

E diante da margem
Muitos surfistas do asfalto.
Poemas descalços sob a areia de Aracajú,
Galinhas mangueando sorrisos
Nas praças de Ouro Preto, semáforos de Belo Horizonte
E pretensões em direção ao Rio Grande do Sul

Pois este mundo está doente
E, para o artista de rua,
O sorriso que se desperta de um rosto cansado
É o maior pagamento, maior do que qualquer salário.
Porque dar brilho de dente a rua,
É atingir os céus
Cada graça que sai pela tangente
É valiosa antes de se passar o chapéu.

E ainda existem seres de luz
Que iluminam as trilhas dos andarilhos tortos
Que acreditam no nosso compromisso de conhecer o novo,
E de enfeitar a rua liberando o riso absorto.

Pois o amor é a autêntica revolução
Não existe maior contra-cultura
Do que a graça se sobrepondo ao tempo e a razão
E é um imenso prazer, junto a outros palhaços,
Ter privilégio de ser mais uma flor

Nascendo do asfalto. 

Dedicado às Galinhas Psicodélicas Kauê Pedroso, Tássia Corrêa e Lucca Ignácio

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Pedaços de Espelho

Olho no espelho quebrado:
Detrás de mil pedaços
Vejo o irreconhecível outro
Em meio ao espasmo.

Teus longos cabelos e olhar embriagado
Já não compõem um impiedoso brado
Mas apenas um detalhe plácido.

O negro turvo e seus metais
Foram substituídos pelo nariz de palhaço.
O canto distorcido da guitarra
Por harmonias de violão itinerante.

E da melancolia, a tanto tempo hemorrágica,
Floresce um brio tácito
Precioso calor que, como chama,
Tem medo de se apagar

Quando olho os cacos no chão
Vejo rostos que já não compõem...
O dilema do tempo
Dá margem a outros afluentes no rio.

E quando digo adeus a antigos sorrisos e canções
É porque as amo e prezo por sua graça e beleza.
Olho os prantos nos corações
E, clarificado, já não observo com tristeza.

De toda essa passagem,
Nessa linha passageira
Ficam nas costas, nessa bela bagagem,

Sorrisos e mensagens que não cabem na prateleira.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O Dilema da Víbora Verde e Amarela

Não surpreende cada surto súbito
Oriundo das medidas mais legislamentáveis presentes
Dos órgãos mais cabíveis
Às queixas mais residentes e resistentes

Porque os olhos não olham no asfalto e piche da rua
Os olhos não olham os charques de molho no negro do solo
Nem os rebeldes e seus escudos e garrafas
Nem as pichações, nem as máscaras.

Dizem que o gol é do Brasil
Mas, na real, é da FIFA
Dizem que o progresso é inevitável,
Mas o que realmente significa a palavra “progresso”?

Quando se higieniza o povo
O Brasil NÃO ”é um país de todos”
Se os policiais nos servem e protegem
O perigo somos nós mesmos?

Porque para mim – admito – muitas vezes é fácil
Branco, classe média, homem, solteiro, universitário.
Mas para muitos, para maioria, os tratos não são os mesmos,
Os tratos são imensamente distantes dos mesmos.

A tortura e a morte fazem parte da cultura militar.
Todos sabem. Qualquer um que levou um “enquadro” sabe.
Os cassetetes, as armas de fogo e as botas
O spray de pimenta e as bombas de gás lacrimogêneo também.
Falam de violência no Jornal Nacional
Ou no Cidade Alerta.
Mas a violência é cotidiana
E ainda acontece quando se desliga a TV.

A violência que é a fome, que é o desamparo,
Que é a solidão, a miséria,
O trabalho incessante que castiga as costas, os braços e as pernas,
As cicatrizes caladas de gente que tem grito nas veias.

A violência que acontece desde o momento que se dorme
Até o momento que se desperta.
A violência que, nas praças, nos impede de cantar e dançar
Envoltos de instrumentos musicais.

A violência que nos impede de gritar e protestar
Diante de imensas arenas, grandes Coliseus, que saíram
De bolsos suados, da morte de trabalhadores menosprezados,
Da miséria e dos impostos dos mal abastados.

 Essa violência que força indivíduos ao trabalho
Trabalho que faz das vísceras centavos.
A violência que transforma cada suspiro, pulso e grito
Em papel moeda.

Quanto às mansões e carros importados,
O culto ao pedestal de ouro da civilização moderna,
É ideal que se esqueça de onde se é oriundo:
Não do asfalto, mas da terra.

Nós não somos números, senhor deputado,
Somos pulso fluído, corpo que vibra.
Pois eu sou você e você sou eu
Não vos fascineis pelo dilema da víbora.


sexta-feira, 16 de maio de 2014

Círculo Mágico

Eu sou um círculo mágico
Que pode tomar infinitas formas
Desconfigurando-se,
Torcendo o corpo,
Rangindo vozes ignotas.

E quando se quebra um pedaço
Como Hidra,
Nascem dois pescoços desvairados.

Sou corpo em pedaços,
Sem órgãos,
Mil tragos,

E por essas crateras
Exalarei borboletas,
Por essas cicatrizes
A vibração de tambores coração
Para cada lágrima mil poemas
E para cada sorriso uma imensidão.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Corte Cego

Olhai e vês!
Hoje as cores são mais belas
Que o "pânico e a solidão a bordo do navio"
Hoje a nossa ironia não é decadente
Hoje a ironia é riso
Sorridente!

Mostro meus ousados dentes
E vejo vibrações e mandalas
Guiando energias astrais
Natureza disforme de meus olhos

Hoje canto e danço
E não me canso de dançar
A dança do vento
Que leva tudo embora,
Que leva as cinzas
E que às chamas retorna

Queimo e danço com as salamandras
Movimentos sorrateiros e graciosos
Banham a bainha de ser
Me coloco em posição de combate
E com a lâmina, não corto nem firo
Mas admito
Que verdadeiro guerreiro é aquele
Que sabe largar a espada.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

InsonÍa

Insonía não-sonía
Misantropia
E o som das gotas na pia

O tic tac do relógio
Pulso torto
Os mosquitos-helicópteros

Deita na minha cama sem permissão
Bagunça cabeça, colchão, coração
Dias colados, adesivados
Segundaterça, quartaquinta
Sexta não!

Sexta não durmo por opção.

Tépido Cúmplice

Olhai, vês que dentro há
Um algoz absorto
Plantando explosivos no peito.
Bomba-relógio da qual passo a ser oriundo.

Bombeia pedaços de universo,
Moléculas invisíveis que matam
Na sutileza de pequenos versos do corpo,
Escondidos detrás da fechadura do quarto.

Sou cúmplice do teu crime apaixonado
Sob os olhos, sob o beijo,
Vejo sincero e puro desejo.

Sob teu codinome leve, guardo,
Sem rancor, nem lamúria e anseio,
Esta marca soturna e embriagada

Que já não causa medo.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Abismo

Poderia chover
Poderia chover
Poderia chover
Poderia chover
Até que o inferno todo
Ficasse molhado

Poderia chover
Até que a eutanásia
Chegasse a todos moribundos
Até que a mão que afaga
Chegasse a todos desconsolados

Para me afogar
Junto a tudo aquilo
Que apedreja
Num oasis no meio do deserto
Pois sou o abismo de mim mesmo

Poderia chover
Até que minha alma
Banhada de suor e desejo
Esperasse apenas sua pele
E que as gotas a tocassem
Num carinho de garoa

Pois entre eu e mim
Existe um penhasco
Que atravesso todos os dias
À altura do desejo e da dor


Trapezista entre eu e mim

Criação conjunta de Renê Echeverria e Carla Teixeira

Oriundo Celeste

E dos poemas mais belos
Dos versos inversos
Encontro olhos e sorrisos
Que tornam os pés leves

E as fluídas pulsações
Já não afogam
Mas sim devoram o mundo
Com o brio e ímpeto do Sol!

Meu amor é oriundo de tudo que voa.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Mãos

Mãos encantam por potência de ação.
Na contra-mão encontro alguma razão.
Nas mãos encontro delicadezas,
Calos, cicatrizes de diversas naturezas,
Unhas roídas, polidas, quebradas ou não.

Mãos no céu sentem o vento
Pés no chão – as vezes – para o coração.
Mãos dadas, ciranda, cirandão – vamos todos cirandar -
Quero todas mãos e corpos e pelos fora do vão.

Me dê a mão para que possamos decifrar, desafiar,
Essas linhas infinitas, essas veias rotas
Que se expandem ou varizes,
Que acariciam e apedrejam
Que destroem e fazem construção.

Mãos em mãos, quanto mais melhor.
Mãos fazem de tudo

Só não fazem e vão.

Acidentes na Selva de Concreto

As vezes calor e vivacidade,
Carnes flamejantes,
Copos transbordantes
E diálogos-epopéias.

As vezes dias ranzinzas .
Amanheço perdendo dentes
Na cidade dos acidentes
Os prédios gritam tons de cinza.

Volta e meia, ameno amanhece
Sol radiante de queimar os poros
Dizem dia limpo,
Digo que dependem dos olhos.

Se meus óculos escuros captassem
Todo calor do asfalto
E a dor dos vagabundos
Que capengam tragos

Eu olharia num lampejo
A poesia das frutas podres
Que caíram das caixas
Na feira da cidade.

Como estas lentes não são máquinas fotográficas
Eu tento compreender
Obstinado
Corte por corte,
Como pintor, traço por traço,
Os enleios
Desta selva de concreto
No mundo inteiro,

Dentro de mim.