Engraçado é sentir o peso de voar.
O peso de cada soco de ar
Que bate na face felpuda
Com o carinho do sopro da concubina
Na ferida de sua prole.
Engraçado é sentir o carinho do frio
Que nos adoece.
Da poeira que nos suja e desconforta
Em nossa armadura de areia e cascalho
Que nos edifica e fere.
Engraçado é sentir os calos gritarem,
Se manifestando por nossos pés, como intérpretes
De mudo desconsolado.
Expressando-se através de cada furo no sapato:
- Pare, por favor! Pare de bom grado!
Engraçado é sentir o calor da insônia
E suas alucinações na câmara dinâmica.
Nas concepções da mente lucidamente ébria
De vontade de cair.
Engraçado é sentir a fúria atroz
Do grito de dor incessante do corpo,
Estalando pelos ossos como um instrumento de corda,
Desafinando cada pedaço de harmonia
Que é a angústia do absorto.
Engraçado é sentir...
Por apenas ter a ousadia de se desprender,
De colocar o dedo na areia
E se dar ao mundo que gira, incessante,
Em sua dança inerte.
(...)
Sentir a dança do mundo sapateando
E palpitando no peito é escutar a si mesmo.
Escutar a si mesmo é escutar o mundo.
*-*
ResponderExcluirMuito legal, Renê!
ResponderExcluirPoesia madura, bem escrita, bela obra.
Grande abraço e sucesso!
Engraçado é sentir....
ResponderExcluire ter o mundo como um manto verde que cobre as suas mais infimas incertezas
saltar de penhascos apaixonadamente e sentir a pele irremediavelmente crespa
palpitar a seiva que derrete em melodia a doce chuva suicida das folhas secas:
é na sua morte que a primavera canta.
e ter a grama como cama
e videar a folha que cresce enquanto,
Kamikaze bailarinas, entregam-se à queda e ao desapego
dos altos braços imponentemente tortos das arvores centenárias
a cobrirem o rosto úmido e terno da terra lavrada
circunscrevendo no ar a poesia dos suspiros da aurora
e recitá-la no brilho vivo opaco dessa tarde sem insônia.