segunda-feira, 23 de março de 2015

Ode às Vísceras

Sou vísceras e reconheço as deformidades de meu corpo
Cicatrizes, gorduras e estrias,
Idiossincrasias de minha carne
Pelos, encravados ou não, em minha superfície.

Sou vísceras e reconheço meus vícios
Minha gula por alimentos e fluídos inóspitos ao estômago em maltrato,
A fumaça que violenta meus pulmões ao meu bel prazer,
Os chicotes que adentram as narinas, entorpecendo e ferindo a respiração,
A língua que dá contra dos dentes e tanto produz o prazer do ósculo
Como a violência da fofoca.

Sou vísceras e compreendo de antemão
Minha porra, minhas lágrimas,
Meu suor e minha diarreia,
O ácido vômito que se desloca
Na possível languidez do corpo.

Sangue que escorre, adrenalina que corre,
Unhas encravadas, dedinho do pé batendo na quina da vida.
Tatuagens na pele assimétrica, visíveis ou não, marcam o ser.
Sou minha rola, minha buceta, em todos seus fluídos.

Sou o corte da gilete no rosto de uma barba malfeita,
Bolhas e feridas nos dedos de tocar violão,
Delicadeza de olhar constrangido ao encarar o disparar
Da velocidade de dentro, nesta bomba-coração.
Pelos pelos arrepiados, pelas bolhas nos pés da caminhada,
Pelo cabelo cortado e cílios que afagam as lágrimas,
Pelas sobrancelhas e lábios mordidos de desejo,
Canto com cada órgão do corpo que busca sem órgãos.

Aceito: Minhas vísceras são poesia.
Não existe maniqueísmo na carne,
A beleza está nelas – as vísceras – e além delas,
No além humano de ser.

Sou vísceras e vou além da carne,
Conexões em todas as direções
No rompante mutante de ser
Na caça às intensidades e imensidões,
E às vezes sou fascista sem querer.

Infinitamente para dentro
Infinitamente para fora
Sou corpo, e além do corpo, também sou,
Pés-raízes, cabeça-pássaro sou,
Para além das vísceras,
E mergulhando nelas,
Eu vou.


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